Câmera fechada, imagem centralizada, retrato do Presidente ao fundo, bandeira do Brasil ao lado do crucifixo, ópera "Lohengrin", de Richard Wagner, compositor alemão celebrado pelo nazismo como trilha musical, olhar direto e discurso plagiado de Goebbels, ministro de propaganda da Alemanha nazista. Poderia ser uma obra de Roberto Rego Pinheiro, nome artístico utilizado em sua formação como diretor teatral em uma peça distópica, mas era Roberto Alvim, como Secretário Especial de Cultura em um pronunciamento institucional sobre o novo edital do Prêmio Nacional das Artes do Governo Federal.
Em poucas horas de repercussão do discurso veio a notícia de exoneração. E a justificativa, “uma coincidência retórica”, foi na linha de se desresponsabilizar pelo ocorrido, culpando “um de seus assessores” por incluir a paráfrase nazista ao montar um discurso que deveria ter um conteúdo de “nacionalista e de valorização da arte nacional”. Toda a narrativa oficial é no mínimo estranha e injustificável, ao limite de colocar uma ópera alemã para supostamente exaltar a arte nacional.
O primeiro ano de governo Bolsonaro foi marcado por ações de diferentes níveis de autoritarismo e declarações ou insinuações de inspiração nazifascista. Em muitas delas, voltou-se atrás pouco tempo depois, como foi na orientação do ministro da educação em filmar as crianças enquanto cantavam o hino nacional, ou na menção ao AI-5 como medida necessária caso chegassem ao Brasil as manifestações que tem tomado conta da América Latina. Esse vai e vem de declarações, muitas vezes negando completamente o que foi dito anteriormente, trouxe à interpretação de que este seria um governo errante, fanático, que não sabe exatamente para onde ir. Talvez. Mas a declaração de Roberto Alvim de hoje requer um olhar mais atento ao seu modus operandi e sua estratégia ideológica.
O lugar da disputa ideológica em um governo
Gramsci, filósofo italiano que se debruçou sobre as questões do Estado, Poder e em especial o fascismo – enquanto passava anos encarcerado por este regime na década de 20 - entendia que o poder político só tem como ser efetivado através do convencimento da maioria em acordo com determinado poder – seja exercido por uma figura, ideologia ou opinião. Este convencimento pode ser buscado através do consenso (convencimento) ou da coerção (uso da força). O sistema educacional, assim como a cultura, cumpre um papel determinante para a formação do consenso - cabe a ele estruturar um conjunto de valores políticos e morais, além de formar em saberes técnicos e científicos, dentro das suas qualidades, jovens dos diferentes estratos sociais que compõem um
Estado nacional.
Dentre as diferentes alas do governo Bolsonaro – mercado financeiro, fundamentalismo evangélico, militar e sua família que opera relações pouco republicanas – tivemos na pasta da educação e na área da cultura as principais intervenções “olavistas” e de caráter ideológico.
Na cultura em especial, vimos a extinção do Ministério, a censura explícita aos promotores culturais como a Ancine e um discurso de combate ao suposto “marxismo cultural”. Importante lembrar que Bolsonaro em live no facebook, anterior a declaração do ex-secretário, apontou que a tarefa de Alvim seria o de atender ao “interesse da maioria da população brasileira, população conservadora e cristã" e fazer uma arte “para a maioria, não mais para a minoria”.
Após ficar meses restrito à política cultural da difamação, sem nenhuma ação, o infame vídeo lançou o Prêmio Nacional das Artes, uma proposta de prêmio que moveria R$20 milhões de reais – o que é muito pouco para desenvolver culturalmente um país de 220 milhões de habitantes – em um concurso para óperas, contos, pintura, história em quadrinhos, música, teatro e escultura. Para promover a “arte nacional” como mecanismo para “construção de uma nova e pujante civilização brasileira”.
A política de censura ao diferente da ideologia do governo e promoção de uma arte com viés pré-estabelecido faz parte da cartilha dos governos autoritários em sua disputa de hegemonia. Combater a “arte degenerada” (para o nazismo/fascismo eram os movimentos de vanguarda do século 20, como o cubismo, o expressionismo e o surrealismo, que iam contra ao modelo estético clássico) e fortalecer os próprios símbolos. Para além de qualquer suspeita sobre o critério de seleção do edital, o vídeo é uma colocação perigosa de que a cultura e as artes continuam a serviço de um “mito fundacional” do brasil, à qual ignora as múltiplas manifestações populares que constroem verdadeiramente um brasil profundo, e que é permissiva ao genocídio da maior parte da população, e o faz também reprimindo, invisibilizando e encarcerando sua cultura.
Diante disso, nós do RUA acreditamos na disputa e na construção da cultura a partir da sua produção viva e em movimento, de sua memória de luta e do dia-a-dia, da integração, do reconhecimento da própria identidade dentro do nosso país.
Vacilante, desqualificado ou proposital?
Bolsonaro não está desacompanhado na construção de sua estratégia de marketing – ou disputa de hegemonia de seu projeto. A política das Fake-News e das frases polêmicas que trazem à tona um discurso obscurantista também são elementos presentes de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, Matteo Salvini, Senador da República Italiana. Ou, como diz Miguel Urbán, eurodeputado pela organização espanhola Anticapitalistas, “existe uma reivindicação de um certo tipo de fascismo histórico dentro de Vox” ao refletir sobre o fenômeno do novo partido de extrema direita espanhola que foi de 0,4% para 52 deputados de uma eleição para a outra. O que tem em comum entre todos estes processos? Steve Bannon, ex-assessor estratégico do presidente dos Estados Unidos, além de mentor de Bolsonaro, Salvini e Vox.
Ainda que seja difícil afirmar que a totalidade dos processos sejam planejadas – desde as declarações até as demissões – e que pode estar em aberto qual a dosagem do fascismo explícito, é um fato que estes elementos estão inseridos em sua estratégia de poder. Ainda que haja vacilações, ainda que seus mentores divirjam sobre o conteúdo, não podemos duvidar da relação intrínseca deste projeto com o que há de pior dos modelos autoritários da história.
Precisamos interromper Bolsonaro
Doses homeopáticas de fascismo, ou a totalidade de sua essência. Calculado ou não, uma característica comum em todas as demissões relacionada à pronunciamentos e ações autoritárias até agora foram precedidas de uma grande indignação popular através das redes sociais. O que é um bom sinal, demonstra que a população não está disposta a naturalizar este tipo de prática e não entregará de graça os seus valores democráticos.
Precisamos exigir que Roberto Alvim responda na justiça por apologia ao nazismo e seu edital viciado precisa ser revogado. Ainda assim, mesmo com a queda do primeiro Ministro da Educação Ricardo Vélez, do chefe da Fundação Palmares Sérgio Nascimento de Camargo e tantos outros até Roberto Alvim, sabemos que o problema de fundo está em seu projeto - perpetuador da desigualdade social, racial, de gênero, anti ciência, propagador de ideias retrógradas à serviço dos bancos e do imperialismo. Não somente em seus interlocutores. Que a nossa força siga derrubando ministros e secretários, mas não só. Já passou da hora de unificar forças e ir para às ruas
interromper Bolsonaro.
Luiza Foltran Aquino - graduada em Letras Português-Italiano pela UFRJ e Coordenadora Geral do RUA-Juventude Anticapitalista
Marx Mascarenhas - Estudante de Biblioteconomia da UFRJ, Coordenador da Escola de Teatro Popular e do RUA-Juventude Anticapitalista RJ