Na última semana, foi publicizada a notícia de que, pela primeira vez na história, negros e negras são maioria nas universidades públicas. Segundo o IBGE, em 2018, o Brasil tinha mais de 1,14 milhão de estudantes autodeclarados pretos e pardos, enquanto os brancos ocupavam 1,05 milhão de vagas em instituições de ensino superior federais, estaduais e/ou municipais. Isso equivale, respectivamente, a 50,3% e 48,2% dos mais de 2,19 milhões de brasileiros matriculados na rede pública.
Desde então, em meio ao Novembro Negro, a internet virou palco de disputas de opinião sobre o tema: das piadas e memes zombando a notícia - ao vincular imagens de pessoas brancas que teriam se autodeclarado negras para serem aprovadas nos vestibulares-, aos questionamentos envolvendo temáticas como a permanência dessa “maioria” nas universidades e em quais cursos estão concentrados. A questão que fica é: quais dessas discussões, de fato, age como um vetor de fortalecimento das nossas lutas?
Tentaram nos exterminar, mas sobrevivemos.
Quantos negros retintos você conhece? Foram mais de 12 milhões de negros escravizados nesse país. Hoje, negros retintos correspondem a 10% dos brasileiros. A miscigenação foi uma política do Estado para exterminar povos negros, que usava os estupros forçados e a chegada de imigrantes europeus para embranquecer a população. Era pro nosso povo não existir mais até 2012. Deu errado, existimos. Mas ao mesmo tempo, eles conseguiram: apagaram nossa história, memória, referências e forjaram o mito da democracia racial.
A tentativa de extermínio segue. Segue pela bala, pelo encarceramento, pela miséria. Mas segue também pela continuidade brutal do embranquecimento que operam sob nós. Se hoje podemos afirmar que o povo negro é maioria da população brasileira, é reflexo de uma conquista do movimento negro, que enfrentou o apagamento e sobreviveu as devastadoras consequências de uma miscigenação forçada. Formulamos pensamentos que nos permitem afirmar que a miscigenação foi tentativa de extermínio. Lutamos para que pessoas consideradas pardas se reconhecessem nos seus traços, cabelos e na diversidade e pluralidade de peles marrons. SOMOS MAIORIA, maioria que se forja na luta e na resistência, contra a vontade deles.
Em 2019, qual o nosso desafio?
Vivemos um tempo de grandes retrocessos. O presidente eleito já fora condenado por racismo e não teme ao dizer que “povos quilombolas não servem nem mais pra procriar". Um tempo, onde o maior partido do Brasil cresceu sob o discurso de fim da "vitimização", e tenta engendrar nas esferas nacional e estadual projetos de extinção das cotas raciais e de devastação das políticas de permanência estudantil, elencando como prioridade na sua agenda a retomada de elitização do ensino superior. Em síntese, tempos de um governo inimigo dos negros e negras na Universidade.
O ponto central da discussão é: somos a maioria que eles não querem que sejamos na sociedade e agora, também dentro da universidade. Ambas as maiorias, conquistadas com muita luta e sangue. E sabemos, ainda é muito pouco. Nas universidades, fruto da única política de reparação história ao povo negro, as cotas raciais. Vale lembrar então, que as cotas raciais são revistas de 10 em 10 anos, e que se esse governo perdurar pelos 4 anos de seu mandato, será por ele a revisão. Nesse momento, estamos mais próximos da extinção da política de cotas raciais pelo governo Bolsonaro ou de sua manutenção por mais 10 anos? É por isso e muito mais, que nossa tarefa, em tempos regressivos como os que vivemos, é DEFENDER as cotas raciais e AGITAR suas conquistas. Uma pesquisa que aponta que 50,3% dos estudantes de universidades são negros é uma conquista da política de cotas! E não, isso não significa ignorar suas limitações, mas sim compreender onde se encontra o verdadeiro inimigo.
Nesse sentido, questões como: a universidade foi popularizada, mas será que existe política suficiente para que negros e pobres permaneçam nela? Quantos negros evadem por ano de seus cursos? Quantos negros conseguem concluir suas graduações? São fundamentais de estarem contidas em nossas reflexões. Além disso, é necessária uma análise profunda sobre áreas profissionais. Andando pelos corredores, sentimos que são nas as licenciaturas, no serviço social, e cursos com as notas de corte mais baixas que os negros e negras se esbarram. Da mesma forma, dá arrepio no corpo andar pelo prédio das engenharias, medicina e direito - cursos mais concorridos - e ver que ainda temos um longo caminho para percorrer na conscientização capaz de combater os crimes cometidos pelas pessoas brancas ao fraudar suas vagas.
Mas a sociedade brasileira precisa entender que esse país foi construído e é mantido sob a dor, o sofrimento, o trabalho e o sangue derramados dos corpos negros. E que o Estado foi e é responsável por essa violência. Que toda desigualdade racial é sustentada por esses crimes. E que por isso, política de reparação é uma obrigação Estado. E o nosso papel é travar essa disputa - que parece estar a cada dia mais distante de ser ganha - em nossa sociedade racista e escravocrata. Seus memes zombando das nossas conquistas estão contribuindo para a urgência defesa das cotas raciais? Num tempo onde o setor que ocupa o poder ataca, difama, odeia e opera pela extinção das cotas? O que estamos fazendo para defendê-la? Tu já parou pra pensar porque o movimento negro escolheu lutar pelas cotas raciais no ensino superior? É sobre preto ocupando espaço de poder. É sobre fazer nós sorrir e os boy chorar.
Mariana Teodozio - Estudante de Pedagogia UFRJ, Diretora de Negros e Negras do DCE Mário Prata e membra da Coordenação Nacional de Negritude do Movimento RUA_Juventude Anticapitalista