Iago Korello, militante do RUA Paraná, 08 de agosto de 2023.
Em "mesas-redondas" (nome característico de programas futebolísticos no país), mesas de bar, mesas de jantar, e, principalmente, nas mesas de negociação do comitê-olímpico e da FIFA, há uma frase que constantemente aparece nos debates que permeiam o mundo esportivo: "esporte e política não se misturam".
Essa afirmação nos leva a muitos questionamentos, uma vez que a política sempre foi — e ainda é — utilizada como fundamento pra cercear o acesso de grupos marginalizados à prática esportiva nas mais diversas modalidades.
Está ocorrendo, entre julho e agosto deste ano, na Austrália e na Nova Zelândia, a nona Copa do Mundo de Futebol Feminino, e o futebol, esporte mais popular do mundo, é um ótimo tema para analisarmos a quem serve a política (e a falta dela) no cenário desportivo global.
A chegada do futebol no Brasil data de 1894, só cinco anos após o Estado Brasileiro extinguir (ao menos oficialmente) a escravidão no país. É notório, no entanto, que a população negra continuou sendo extremamente marginalizada e tolhida de seus direitos, traço da sociedade brasileira até os dias atuais.
Neste cenário, o futebol, recém-chegado, era uma prática branca e da burguesia, negada às pessoas negras. São muitos os registros de times que foram boicotados de campeonatos por possuírem atletas negros nas primeiras décadas do séc. XX.
Quando Pelé se aposentou, em 1977, fazia 83 anos que o futebol havia aportado no Brasil. O seu reconhecimento como o maior jogador de todos os tempos, quase um século depois da chegada do futebol, ocorreu graças à luta das pessoas negras, desde muito antes do fim da escravidão, para se colocarem como seres políticos, ativos em todos os setores da sociedade, inclusive no esporte.
E no ano em que Pelé se aposentava, ainda faltavam 2 anos para a revogação do dispositivo legal que proibia mulheres de praticar futebol no Brasil. A proibição, instituída em 1941 pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, durou até 1979. Nesse período, equipes femininas, que já existiam desde antes da década de 40, atuaram na clandestinidade, resistiram!
Apenas em 1983 o futebol feminino foi regularizado e sua prática efetivamente permitida no país. A primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino ocorreu somente em 1991, e o Brasil participou, caindo na fase de grupos — feito gigante, posto que a modalidade era reconhecida pelo Estado Brasileiro há menos de 10 anos.
Se engana quem pensa que a partir deste ponto a jornada das mulheres no futebol se tornou mais fácil. A escassez de investimentos e a falta de atenção conferida pela CBF escancaram um cenário que segue sendo de luta, dentro e fora de campo.
O futebol feminino brasileiro, por 40 anos na clandestinidade, cresceu e se desenvolveu, não graças às instituições, apesar das instituições. É fruto da luta de todas as mulheres. Marta, maior jogadora de todos os tempos, assim como Pelé, faz parte e é resultado de uma série de disputas que não se limitam ao esporte, mas perpassam, em toda sociedade, o direito de ser e de existir.
A política é inerente às disputas sociais. Na sociedade capitalista foi e segue sendo utilizada para negar os direitos da classe trabalhadora e possibilitar a acumulação de riquezas e a manutenção da burguesia no poder.
No futebol não é diferente, o racismo e o machismo foram sistematicamente utilizados como ferramentas de segregação no Brasil. A população LGBT ainda é extremamente estigmatizada e afastada do esporte, e não apenas deste. A homofobia e a transfobia são extremamente normalizadas nos estádios de todo o país, especialmente no futebol masculino.
Apenas aos grupos que por séculos utilizaram seus discursos políticos para marginalizar e subjugar corpos considerados descartáveis no sistema capitalista interessa manter, agora, a política à parte.
O capitalismo tem seus pilares justamente na despolitização da sociedade. O esporte tem um poder de mobilização gigantesco e, apesar de refletir as contradições do sistema capitalista, também atua no sentido inverso: move paixões, une povos, emancipa corpos.
Sim, esporte e política, símbolos máximos de expressão popular, sempre se misturaram e continuarão se misturando, agora a serviço do povo!
Esse é o RUA Esporte Clube, projeto voltado à disputa desse espaço que impacta tão intensamente a vida de tantos de nós.