As religiões de matrizes africanas são parte da diversidade religiosa do Brasil. Entre algumas dessas manifestações, que têm como referência a cultura trazida pelos africanos durante mais de 300 anos de escravidão, estão catimbó, cabula e principalmente umbanda e candomblé, que se propagaram com mais intensidade pelo Brasil. Desde sua chegada ao Brasil, os praticantes de religiões de matrizes africanas foram alvo de perseguições por manifestarem a sua fé. Mas ainda hoje, em 2021, os episódios de intolerância religiosa fazem parte do cotidiano.
"Eu costumo dizer que a África e o Brasil se casaram e tiveram dois filhos: candomblé e umbanda. O candomblé é uma religião de matriz africana, a sua origem está na África, sobretudo no sudoeste da África. É uma religião brasileira e que se constituiu não só com essa matriz, mas com o sincretismo a partir da relação com o cristianismo, com cultos e vivências indígenas. A umbanda tem outra forma de sincretizar além dessa construção africanista porque promove outras relações com o misticismo, valores ciganos, kardecistas e hinduístas" – babalorixá Márcio de Jagun.
Apesar da influência africana desde o século XVI, o candomblé e a umbanda se consolidaram na sociedade brasileira nos últimos 200 anos, principalmente no início do século XX, quando o público pôde ter conhecimento das práticas a partir, por exemplo, das pesquisas de Pierre Verger, etnólogo francês e babalawo, que dedicou a maior parte de sua vida ao estudo da diáspora africana e ao comércio de escravos. Essas práticas religiosas de matrizes africanas também fazem referência à comida, à música, aos tecidos e aos costumes não apenas dos escravos, mas dos colonizadores.
Como exemplo deste sincretismo estão a indumentária e as louças que foram acrescentadas ao culto, como referência aos costumes portugueses. Em teoria vivemos em um Brasil laico, logo sendo imparcial não apoiando nem se opondo a religião nenhuma. Porém vemos cotidianamente que isso só se aplica na teoria, terreiros são apedrejados, queimados, filhos de santo sendo perseguidos, agredidos e até assassinados em nome de “Deus”.
A construção social encima da doutrina cristã, a demonização das entidades da umbanda/candomblé, a perseguição com as religiões que fujam do dito “certo” por essa sociedade majoritariamente pentecostal/neopentecostal, a escolha de representantes para o poder executivo, o lema de uma campanha presidencial, só mostra que a laicidade do estado não é de fato tão laica assim.
Um episódio que retrata bem o linear entre a liberdade de expressão e o preconceito, aconteceu recentemente em rede nacional, um grupo participante de um reality show, debochando e caçoando da religião e do orixá dono do orí de um dos eliminados, nesse grupo estavam figuras públicas e de determinada influência que não possuem conhecimento nenhum sobre o assunto, o que nos leva a pensar sobre o quão longe está o acesso a informação sobre aquilo que não faz parte do nosso cotidiano e da nossa bolha pessoal, e para além disso, uma reflexão: “Os demônios estão lá fora por que são maus, ou apenas porque não os conheço o suficiente para convidá-los a entrar ?”
“Ọ̀rọ̀ wèrè ló máa ńyàtọ̀ , ti ọlọ́gbọ́n máa ńbá ara wọn mu ni”.
É a opinião dos tolos que geram divergências, a dos sábios geram união.