A política de morte durante a pandemia: uma confluência de crises e um cenário de isolamento
Passaram-se 12 meses desde o início da pandemia, o seu impacto ao redor do mundo é enorme: 120 milhões de casos e 2.6 milhões de mortes. No entanto, enquanto diversos países conseguiram achatar suas curvas de contágio e começam a conter os efeitos do vírus, o Brasil tornou-se o epicentro do coronavírus.
A gestão da pandemia da COVID-19 por parte do governo brasileiro tem sido um verdadeiro projeto de morte. Bolsonaro adota uma postura negacionista em relação aos efeitos do vírus, questionando publicamente por diversas vezes a eficácia do uso da máscara, da vacinação e das medidas de isolamento, enquanto defende o tratamento precoce e o uso da cloroquina, métodos comprovadamente ineficazes contra o vírus.
Não bastasse isso, já tivemos 4 ministros da saúde, o penúltimo, Pazuello, exonerado há duas semanas, é um militar que sequer possui formação na área da saúde. Foi justamente este o ministro que adotou a posição mais alinhada a Bolsonaro, acatando todos os desmandos do presidente no (des)enfrentamento da pandemia.
Enquanto internamente instituições públicas como a Fiocruz e o Butantan sofreram seguidos boicotes do Governo Federal, externamente a incapacidade de articulação minou a possibilidade de uma vacinação rápida e organizada da população. A ineficiência no Ministério da Saúde somou-se à ineficiência no Ministério das Relações Exteriores e, dessa forma, o Brasil se movimentou de forma extremamente lenta na busca pelas vacinas que foram sendo testadas e aprovadas pelo mundo.
O cenário do governo no enfrentamento à crise sanitária teve reflexo em todas as áreas na sociedade brasileira. A pandemia agravou ainda mais a crise econômica, a constante necessidade de fechamento de atividades não essenciais aumentou o desemprego e a informalidade. Somado a isso, a ausência de uma política de renda mínima universal diminuiu o poder de consumo da população e colocou o empresariado em alerta. Demorou, mas depois de mais de 300 mil mortes e do colapso do sistema de saúde houve manifestação pública por parte expressiva do PIB.
Isso, é claro, não se deu em virtude da crise humanitária que joga grande parte da sociedade brasileira à própria sorte frente à morte e à fome, e sim pela constatação de setores da elite e próximos à Bolsonaro, de que sua política frente ao coronavírus está afundando ainda mais o país. Mais de 500 assinaturas entre banqueiros, empresários, ex-ministros, ex-dirigentes do Banco Central e economistas, cobram do poder público federal ações de enfrentamento à crise sanitária.
Esse fato aponta para a crise política sofrida pelo governo Bolsonaro, que tem perdido o apoio de setores importantes na manutenção de sua gestão na presidência. Sob o aspecto político, a crise se mostrou evidente ao longo da última semana, quando ocorreu a mudança no comando de 6 Ministérios do executivo federal (das Relações Exteriores, da Defesa, Casa Civil, da Secretaria do Governo, AGU e da Justiça e Segurança Pública).
As alterações aparentam ser uma resposta à pressão feita pelo centrão, que nessa dança das cadeiras chegou à tão almejada Secretaria do Governo. E enquanto a pilha de impeachments só cresce, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dá declarações ambíguas. Resta saber se os tais "remédios políticos amargos" serão tomados mesmo, ou se servirão mais uma vez para aumentar o preço das suas negociações. Além dessa movimentação, chamou a atenção especificamente a mudança no Ministério da Defesa.
Desaniversário do golpe: um ambiente autoritário e neoliberal em um país que não pagou as contas com a própria história e segue sujeito a discursos golpistas
Esta troca se deu em virtude de atritos entre o antigo Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva e o presidente. Sua gestão foi marcada pela discrição frente a declarações de Bolsonaro associando sua atuação política às Forças Armadas. Em novembro de 2020, após fala do presidente sobre o uso de pólvora para defender a Amazônia, os três comandantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e o Ministro da Defesa à época divulgaram nota conjunta em que afirmavam a separação entre as Forças Armadas e a política.
A mudança no Ministério da Defesa culminou em mudanças também nos comandos das Forças Armadas, vez que os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica prontamente colocaram seus cargos à disposição após a saída do antigo Ministro, Azevedo e Silva, o que foi atendido pelo governo, culminando na indicação de novos militares para os cargos.
A movimentação nas Forças Armadas demonstra que Bolsonaro também não tem agradado o alto comando militar, razão pela qual busca essa alteração no comando do Ministério da Defesa e nos comandos das Forças Armadas. Frente aos diversos setores, anteriormente alinhados ao governo, demonstrando insatisfação frente a atuação política de Bolsonaro, sobretudo na gestão da crise sanitária e econômica, não há ambiente político favorável para a tentativa de um golpe, mas as movimentações nos Ministérios e nas Forças Armadas indicam que a tendência na adoção de medidas autoritárias e antidemocráticas permanece.
É importante frisar que todas essas alterações ocorreram às vésperas do desaniversário do Golpe Militar de 1964. Ao longo de todo o mês de março tem sido pauta a luta do governo pelo direito de comemorar o dia 31 de março, dia da ruptura democrática que levou aos 25 anos de ditadura militar, o que, absurdamente, foi permitido pela Justiça Federal.
Mesmo setores da ala militar que se encontram distantes de Bolsonaro se mostram favoráveis na disputa ideológica sobre o significado do Golpe de 1964. Entre 2019 e 2020, Azevedo e Silva e os ex-comandantes das Forças Armadas assinaram textos comemorando o golpe militar de 1964, quando o então presidente João Goulart foi tirado do cargo.
O regime militar matou, sequestrou, torturou e estuprou milhares de brasileiros e brasileiras, além de ter sido um dos períodos em que a dívida externa do país e a desigualdade social aumentaram mais intensamente. A Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final, reconhece 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1964 e 1988.
No entanto, enquanto países vizinhos como o Chile, o Uruguai e a Argentina passaram por processos de ruptura com seus períodos ditatoriais, o Brasil voltou ao regime democrático através de acordos, num processo de transição dirigido pelos militares, que foram anistiados de todos os crimes cometidos no período.
A ditadura militar no Brasil representou uma forma de a burguesia avançar sobre os direitos da classe trabalhadora, enquanto os militares sufocavam a resistência popular. O processo que levou ao seu fim ocorreu dessa forma também chancelado pela burguesia. O ambiente neoliberal amplificado pelo regime militar permanece no Brasil desde então e o país, que não pagou as contas com a própria história, segue como um local propício para discursos golpistas, em prol da manutenção dos privilégios das elites.
E nós, em nome daquelas e daqueles que tiveram suas vidas destruídas na luta pela liberdade do país durante o regime, seguimos bradando: ditadura nunca mais! Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.
Fora Bolsonaro: exigimos paz, pão, vacina e educação
Diante do cenário atual, no qual o governo Bolsonaro se coloca como porta voz dos porões da ditadura militar de 1964, sendo mais uma representação da velha política corrupta de prática fisiológica, é urgente que saibamos construir em unidade com os movimentos sociais e com a classe trabalhadora uma saída coletiva para desgastar o governo e superar o bolsonarismo.
Com a saída de ministros do alto escalão, precisamos colocar também na ordem do dia uma mobilização para a retirada de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente, que tem “passado a boiada” nos territórios da Amazônia, tanto mediante o fortalecimento dos diversos setores do agronegócio (importante aliado de Bolsonaro), quanto através da perseguição política direta aos movimentos de luta por terra e aos povos indígenas, que estão cada vez mais vulneráveis a COVID-19 e ao projeto neoliberal de Bolsonaro, que pretende destruir essas populações.
Somente a luta coletiva poderá nos tirar dessa crise global e humanitária na qual o capitalismo nos colocou e precisamos, através de ações organizadas, pautar a vida acima do lucro. É essencialmente importante lutarmos por auxílio emergencial permanente, aliado a um plano de vacinação eficaz e universal que atinja toda a população brasileira.
Enquanto eles não fazem nada por lá, faremos nós por aqui, cumprindo uma agenda de lutas unitária, começando com o dia 07 de Abril, dia mundial da saúde, lutando por vacinação e defesa do SUS. Outra data importante é o dia 15 de abril: dia da ação internacional por transparência, participação e defesa dos povos tradicionais na Cooperação Brasil x Estados Unidos em relação à Amazônia.
Por fim, diante da crise humanitária que se coloca diante de nós, é fundamental lembrar que quem tem fome, tem pressa! Superar esse momento passa por fortalecer e apoiar ações de solidariedade que têm feito distribuição de cestas básicas de alimentos a famílias e núcleos mais vulneráveis nas periferias de todo o Brasil, medidas que são fruto de trabalhos coletivos e voluntários, que têm colocado pão na mesa dos trabalhadores. Fora Bolsonaro!