William Neto, Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2022.
Na sua recente participação no podcast Flow o ex-presidente Lula chamou atenção da comunidade dev ao propor a regulamentação do setor. Mas o que isso pode significar na prática? As pessoas desenvolvedoras empregadas hoje tem algo a perder com isso?
Foram muitas reações negativas à fala do ex-presidente entre a comunidade dev, a maioria delas expressando medo de que uma possível regulamentação dificultaria o acesso ao mercado ao passar a exigir qualificação especial ou licença do Estado para exercer a profissão. Vamos então analisar alguns trechos da cartilha "Lula Play", citada pelo ex-presidente na entrevista, junto com um projeto de lei que está em tramitação no legislativo para tirar o debate do campo dos medos e colocar ele no campo dos fatos
Primeiro é preciso tirar do debate o espantalho que influencia muitas pessoas nesta comunidade: o mito de que toda regulamentação é ruim. "Vai inibir a iniciativa privada", "reduz a liberdade do individuo empreender", e quaisquer frases feitas como essas são usadas para taxar a regulamentação da profissão como algo danoso ao profissional. Porém, se observarmos historicamente, vamos ver que é a regulamentação estatal que garante patamares mínimos de condições de trabalho e remuneração a serem respeitados pelos empregadores. E é justamente neste campo que Lula disse pretender atuar.
Lendo a integra da cartilha Lula Play fica claro que não existe um viés de "estado controlador do mal" como alguns pintam. Pelo contrario, o texto propõem políticas públicas que tem potencial de impulsionar a industria privada e o empreendedorismo no setor. Vejamos alguns exemplos:
- Desoneração da carga tributária para hardware,protótipos, kits de desenvolvimento, jogos internacionais e produtos afins
- Considerar esporte eletrônico como esporte para fins jurídicos - amplia a possibilidade de realização de editais e eventos em diversas áreas, trazendo mais financiamento e oportunidades para os players
- Estabelecer uma regularidade de realização dos editais públicos para fomento da cena brasileira de jogos - estimula as iniciativas no setor dando previsibilidade aos meios de financiamento público
- Permitir a abertura de MEI com os referidos CNAEs para a atuação oficial de gamedevs individuais no lançamento de seus jogos com acesso a alguma seguridade social
O documento é extenso e bem completo nas suas proposições. Ao mesmo tempo que não existem proposições restritivas no sentido de delimitar condições para um individuo atuar profissionalmente na área.
Mas além das propostas contidas na cartilha citada pelo presidenciável também é importante analisar o contexto atual do debate.
Recentemente foi aprovado na Câmara o Projeto de Lei 2796/21 que cria o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos. O texto define pontos regulatórios, o papel do estado no apoio a formação de mão de obra para o setor e coloca explicitamente que "Não será exigido do programador e do desenvolvedor qualificação especial ou licença do Estado para exercer a profissão". O PL, que segue para tramitação no Senado, parece reconhecer o contexto de mercado em que muitas pessoas desenvolvedoras atuam sem a necessidade de um diploma de nível superior.
Tanto no PL 2796/21 quanto na cartilha "Lula Play" vemos iniciativas que reforçam o protagonismo do estado na garantia de condições mínimas para os trabalhadores e no incentivo a este setor da economia. E apesar de ambos os documentos falarem especificamente da industria de games, em termos genéricos, as proposições também podem se aplicar ao contexto geral do mercado de desenvolvimento de software.
Com isso, fica claro que a comunidade precisa debater pontos concretos e dados da realidade, e não achismos baseados em ideologias. Estamos falando de um setor relativamente novo, que demanda regulamentação e a participação ativa dos profissionais da área. Ou vamos continuar aceitando contratos PJ em que temos como benefícios coisas que na verdade são nossos direitos?