Lucas Costa, militante do RUA Ceará. Dezembro de 2022.
O conservadorismo e a guerra às drogas: um debate urgente sobre antiproibicionismo e encarceramento em massa.
No Brasil, temos debates urgentes que a esquerda que somos não pode mais adiar. Um deles é o fato de que o contexto de adoecimento mental que atravessa nosso país atinge, principalmente, jovens negros. Segundo o Ministério da Saúde, o índice de suicídio entre jovens negros é 45% maior do que entre jovens brancos, e esse dado tem crescido nos ultimos anos. Pautar o aprofundamento desse contexto adoecedor é também tecer críticas à crise que o capitalismo provocou no mundo.
Por isso, devemos escolher como trazer à tona temas sensíveis, usando de responsabilidade, cautela e, sobretudo, fazendo uma análise que não fortaleça o discurso conservador. Um desses temas é o consumo do álcool no Brasil. Marco Antonio Arantes tece um debate importante sobre isso: no início do século XX no Brasil, o alcoolismo era associado à degradação moral, sob o argumento de que levava os homens à loucura e que por isso era preciso coibir o consumo, fazendo o indivíduo tornar-se um criminoso. O alcoolismo tinha estreita ligação com a baixa qualidade de vida dos cidadãos reconhecidos como “de segunda classe”, os negros.
Essa é a mesma lógica usada em favor da criminalização de outras drogas. Por isso, não tem nada de revolucionário nesse discurso. Muito pelo contrário. É assim que entendemos a urgência em fortalecer o antiproibicionismo: a guerra às drogas atinge, mata e prende o povo negro. No Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os crimes relacionados ao tráfico são os que mais prendem no país com a quarta maior população carcerária no mundo, e esses presos tem cor: em 2019, a população negra ocupou mais de 66% do sistema carcerário de acordo com o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Resultado direto de uma política de encarceramento em massa que é proibicionista e, principalmente, racista.
A verdade é que o proibicionismo falhou. Para Angela Davis, em “Estarão as prisões obsoletas?”, a descriminalização do uso das drogas é uma estratégia maior para se opor às estruturas do racismo na justiça criminal. Retroceder de forma tão insistente nesse debate é fortalecer e se alinhar à uma política que invade as periferias e mata os jovens dentro de suas próprias casas. Por isso, tenhamos responsabilidade. Nós estamos de acordo com a Agenda Nacional pelo Desencarceramento, com um destaque, nesse texto, ao ponto quatro - Contra a criminalização do uso e do comércio de drogas - porque acreditamos que descriminalização, desinternação, desmilitarização e desencarceramento são lutas importantíssimas para avançarmos enquanto sociedade e para guiar nossa militância em uma perspectiva, de fato, revolucionária.
O avanço do capital, em sua lógica de produção que aumenta nossa jornada de trabalho ao passo que empobrece a classe trabalhadora, nos gera profundas mazelas. Somos um país de encarceramento em massa e a criminalização de uma droga significa, diretamente, a criminalização também de um povo. Precisamos fazer escolhas políticas. Podemos, aqui, fazer um debate sobre seguridade de direitos e saúde mental, por exemplo, para impedir o avanço de um consumo adoecedor provocado pelo capitalismo. Existem organizações, no entanto, que optam por um discurso conservador, tratando de alternativas tão conservadoras quanto, como uma escolha possível para todos os precarizados pelo capital. Não dá. Ainda que alguns não acreditem, é preciso fazer recortes, analisar o contexto em que se situam os debates e fazer resgates históricos.
Não podemos repetir erros, tampouco abrir brechas, dentro de nossas organizações, para um cenário de mais criminalização e proibicionismo. Devemos, como esquerda anticapitalista, ter compromisso com o antiproibicionismo, que não pode ser ferramenta de agitação, mas luta que fundamenta nossa perspectiva revolucionária; precisamos pautar o encarceramento em massa e como essa política atravessa significativamente o cotidiano dos jovens, principalmente negros, nas periferias do Brasil. Temos o dever histórico de sermos a juventude que rompe com o conservadorismo.