Por Helena Cunha, Tássia Almeida e Tuca Macêdo. Março de 2023.
Mais um 8 de março se aproxima e neste ano novos desafios se colocam para o movimento feminista. A derrota eleitoral de Bolsonaro e a vitória de Lula sem dúvida fazem parte de uma inflexão positiva na conjuntura, nos colocando a tarefa de aumentar nossa mobilização popular para arrancar vitórias desse governo que garantam a vida e a dignidade de mulheres negras, indígenas, trans, travestis, pessoas não bináries e de toda a população LGBTIA+.
No entanto, sabemos que a extrema direita ainda está muito longe de ser derrotada no Brasil. A tentativa de golpe do dia 08 de janeiro e a eleição de ex-integrantes do governo Bolsonaro para governadores e parlamentares em todo o país demonstram que o bolsonarismo segue sendo uma força social muito enraizada no Brasil, com capacidade de mobilização, e que o fascismo ainda está presente no nosso país.
Acreditamos que a impunidade a todos os envolvidos com a tentativa frustrada de golpe do dia 08 de janeiro, bem como de todos os crimes cometidos por Bolsonaro durante seus quatro anos de governo, impede a instalação de garantias de não repetição. Nenhuma democracia pode ser construída com impunidade para quem comete crimes de Estado. Por isso, este 08 de março será construído com memória coletiva. Como dizem as feministas chilenas, não há futuro sem memória nem vida digna sem feminismo. Deste modo, recuperando o legado de luta de todas as que vieram antes de nós, de todas as presas e desaparecidas da ditadura militar, de todas as que deram suas vidas para garantir uma democracia, de todas as vítimas da pandemia e dos crimes cometidos pelo governo Bolsonaro, nossa palavra de ordem é: Sem anistia!
Recuperamos em especial o legado de uma grande lutadora e defensora dos Direitos Humanos, que há cinco anos nos deixou e que segue sendo inspiração de luta para todas nós: Marielle Franco. Recuperamos o projeto de transformação social pelo qual Marielle lutou e com seu seu exemplo de luta e resistência nos transformamos em semente, porque Marielle segue em nossa memória em cada ação que realizamos para transformar radicalmente essa sociedade. É inadmissível que até hoje não se tenha chegado aos mandantes do crime que tirou a vida de Marielle, por isso não descansaremos exigindo justiça por Marielle e Anderson!
Nenhuma a menos!
Neste 8 de março, ocuparemos as Ruas porque queremos interromper a exploração de nossos corpos e nossos territórios. Queremos nossos corpos livres de violência racista e patriarcal. No Brasil a cada 4 horas ao menos uma mulher é vítima de violência e pelo menos um caso de feminicídio é registrado por dia. E enquanto os índices de assassinatos de mulheres brancas têm caído a cada ano, os de mulheres negras se acentuaram e vivemos em uma realidade em que 62% das vítimas de feminicídio no nosso país são mulheres negras. Soma-se a isso o fato de que o Brasil segue pelo 14º ano consecutivo como o país que mais assassina pessoas trans no mundo. Em 2022, pelo menos 76% das pessoas trans assassinadas no Brasil eram mulheres trans/travestis negras. Precisamos romper com o pacto machista e racista que nos violenta e nos condena à morte dentro e fora de nossas casas e construir vínculos que garantam essencialmente as vidas de mulheres negras, indígenas e transexuais.
Também exigimos autonomia e liberdade para nossos corpos e para isso é necessário que a maternidade seja uma escolha e não uma imposição. Que ela possa ser exercida em toda a sua plenitude por aquelas que desejam ser mães, com pleno acesso à educação e saúde públicas, gratuitas e de qualidade e que nenhuma mãe tenha que ver a vida de seu filho interrompida pelas balas da Polícia Militar. Do mesmo modo, exigimos o direito ao aborto legal, seguro e gratuito para todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestar que decidirem interromper uma gravidez indesejada.
O direito ao aborto seguro diz respeito ao direito ao futuro. No Brasil, apenas mulheres brancas e ricas têm o direito ao planejamento familiar, a escolher se e quando querem ter filhes e são quem têm condições de interromper uma gravidez indesejada quando assim decidirem. Mulheres negras e pobres não têm esse direito. Quando desejam ser mães, correm o risco de ver seus filhos serem assassinados pelas balas da Polícia Militar. Quando desejam interromper uma gravidez, são as que correm o maior risco de serem presas ou mortas em decorrência de um aborto clandestino. Por isso exigimos: educação sexual para prevenir, contraceptivos para não engravidar e aborto legal, seguro, gratuito e garantido pelo SUS para não morrer!
Ocupamos as Ruas, também, porque somos as mais afetadas pelas mudanças climáticas por sermos as principais responsáveis pelo sustento dos lares e das comunidades e as que vivem em piores condições habitacionais, em especial quando falamos de mulheres negras e indígenas. Precisamos acabar com o racismo ambiental! Exigimos o fim do garimpo em terras indígenas e quilombolas e do desmatamento da Amazônia. Também é necessário pôr um fim na política capitalista ecocida que privatiza a água e nossos recursos naturais. Queremos autonomia sobre nossos corpos e nossos territórios!
Neste 8M nos unimos em uma luta internacional, anticapitalista e antirracista para exigir memória, verdade e justiça e para construir um outro futuro, em que a vida esteja acima do lucro. Nós feministas anticapitalistas fazemos parte dessa luta histórica, que carrega o legado de todas as que vieram antes de nós, mas que também traz consigo novas forças. Recuperamos o legado de Marielle Franco para desobedecer a ordem do capitalismo patriarcal e lutar pela vida e pelo mundo que queremos. Somos memória, porque sem memória não existe futuro, e somos o presente anunciando e construindo o que vem.