No período eleitoral, se tem algo que unifica desde a direita até a esquerda é a máxima de que “a educação tem que ser prioridade”. A diferença aparece na hora de apresentar quais as impressões sobre a construção das políticas educacionais até hoje, quais os seus principais problemas e propostas necessárias para melhorá-la – ou modificá-la completamente.
Como funciona o FIES?
O Fundo de Financiamento Estudantil foi criado em 1999 pelo governo FHC e ampliado massivamente nos governos Lula. A lógica é da utilização de financiamento público na compra de serviços educacionais, das empresas privadas de educação. Uma negociação entre os governo e os bancos, na qual o governo paga aos bancos uma quantia para que o estudante possa, através do processo seletivo, financiar os seus estudos nas universidades privadas conveniadas. Um ano e meio após o término do curso, com um diploma nas mãos e um emprego, seria capaz de pagar as parcelas da graduação (e atenuaria a dívida pública contraída no contrato).
Porque a crise atingiu os estudantes?
Enquanto houve crescimento econômico, essa foi a via principal pela qual o governo escolheu expandir a educação. Um exemplo clássico das políticas de conciliação já que se aumentou vagas para o povo ao mesmo tempo que encheu os bolsos dos grandes empresários, com aval do Banco Mundial. Este modelo conseguiu garantir que milhares de brasileiros acessassem o ensino superior, algo interessante para a realidade do Brasil, na qual menos de 20% dos que terminam o ensino médio seguem os estudos.
Com a crise econômica e em seguida golpe institucional, o acordo ruiu. O novo relatório do Banco Mundial anunciou em 2016 a necessidade de uma reorientação nas políticas educacionais brasileiras, para que a conta fechasse.
Emenda constitucional 95, reforma trabalhista, foram as primeiras. Depois, como consequência, a gratuidade no ensino público e atual modelo do ProUni e do FIES também deveriam passar por revisões. No final de 2017, foi aprovada uma Medida Provisória 785/17 para fazer essa adequação no FIES, acabando com a carência de um ano e meio entre o fim do curso (ou interrupção deste) e o início do pagamento das parcelas.
Atualmente, temos 41% dos usuários do FIES como inadimplentes, com situações distintas entre si. É preciso tipificar os casos e propor alternativas urgentes para cada um. O primeiro tipo é dos estudantes que se formaram, mas não conseguiram emprego e, portanto, não conseguem pagar a sua dívida. Seja os que se formaram antes de 2017 e já tiveram o prazo de um ano e meio vencido, seja os que se formaram neste ano e, como não há mais carência e nem emprego, não conseguiram pagar.
O segundo caso, mais grave, é dos estudantes do FIES que abandonaram o curso antes de se formar e estão desempregados. O FIES garante a vaga, mas não é acompanhado por políticas de permanência estudantil, como bandejão ou auxílio para materiais didáticos. A evasão cresce, pois muitos não conseguem se manter pelo alto custo que isso implica.
Nesse cenário, a luta por assistência nas universidades privadas se coloca como uma bandeira crucial para o movimento estudantil. Grande parte dos alunos que hoje está no ensino superior privado divide o tempo do seu dia entre os estudos e o trabalho para pagar a universidade, saindo cedo e voltando tarde para casa. No almoço, na sua instituição de ensino, encontra bares e restaurantes com preços superfaturados, distantes da realidade econômica dos que frequentam esse espaço. As mobilizações em torno de restaurantes universitários com preço subsidiado para bolsistas, por exemplo, e a publicação dos contratos e prestação de contas dos estabelecimentos que oferecem serviços de R.U. nas universidades privadas são bandeiras necessárias.
Sem assistência, não há como permanecer. Assim, a perspectiva é que no ano que vem o tamanho dessa inadimplência quase dobre.
Em defesa dos estudantes e por outra estratégia de política educacional
Uma plataforma política e eleitoral que compreenda que a culpa não é do estudante e que se proponha a acolhê-lo precisa propor urgentemente medidas para estancar a crise. Em paralelo, oferecer uma alternativa a longo prazo para a educação no Brasil.
Para aqueles e aquelas que já estão inadimplentes, entidades do movimento social educacional, como a UNE, acumularam na defesa de uma moratória de um ano, para que essas pessoas se reorganizem sem acumular mais juros e possam se planejar para pagar a dívida. Tanto para aqueles que concluíram os estudos, quanto para aqueles que não. Essa medida por si só não resolve o problema, mas ajuda a estancar o problema imediato. No congresso nacional, as únicas medidas levadas a frente foram as de restrição e agravamento da crise.
Infelizmente, ainda é muito raso o debate sobre o FIES nas plataformas eleitorais. Nos programas das alianças vocalizados por Marina, Alckmin, Meirelles, Daciolo, Bolsonaro, Eymael e Vera simplesmente não é feita nenhuma menção em específico. Ciro Gomes apresenta “aprimoramento do ProUni e FIES”, sem qualquer consideração do porquê a crise chegou até este ponto e como fazer este tal aprimoramento.
Por mais que tenha sido obra do PSDB, foi Lula que o ampliou e levou os créditos do modelo de financiamento. No programa de 2018, no qual Lula vem na cabeça de uma chapa com Haddad, o PCdoB e o PROS, a menção é feita como reivindicação de um balanço: “O PROUNI, o FIES, o ENEM, o SISU incluíram milhões de jovens e ampliaram suas oportunidades.” Na época, o governo petista justificava o seu modelo de expansão através do setor privado pelo seu caráter transitório: como já havia milhares de vagas ociosas no ensino privado e milhões de estudantes de fora, seria mais rápido o governo comprar essas vagas para resolver o problema imediato, enquanto construiria vagas públicas e faria sua transição a médio prazo. Não foi isso que ocorreu. Na prática, a política de expansão no setor privado não foi transitória, mas sim estratégica. Quando se fala de expandir o Prouni e o FIES acriticamente, significa continuar alocando a maior parte dos recursos públicos em educação nas empresas educacionais, aumentando o seu poder sobre a maioria das vagas e da qualidade do ensino.
Neste sentido, dentre os programas de governo oficiais* das candidaturas, a aliança “Vamos sem medo de mudar o Brasil” foi o único que propôs uma alternativa. Ele incorpora a proposta de moratória de 1 ano paras dívidas estudantis, seguido de um Programa de Refinanciamento das Dívidas a ser discutido com os/as próprios estudantes. Além disso, é proposta uma auditoria em todos os programas federais que repassam recursos públicos para o setor privado, visando defender o direito dos alunos que foram beneficiados pelos atuais programas (PROUNI e FIES) com uma proposta estratégica de transição das vagas subsidiadas pelo Estado no ensino privado para ensino público.
E sim, tudo isso é possível. Tempos de crise nos fazem acreditar que a reedição de modelos anteriores são melhores do que o que vivemos, portanto o que nos cabe é reeditá-los. Porém, justamente por causa da crise, a reedição destes modelos se tornou inviável. Precisamos de um projeto que tenha coragem de enfrentar os poderosos e colocar a educação pública como prioridade. Um projeto que faça os ricos pagarem pela crise e que vise o crescimento da oferta pública no ensino superior, retomando o caminho justo para gerar 1 milhão de novas vagas em universidades. Colocar fim na segregação invisível que coloca o estudante trabalhador e precário tendo que se endividar para estudar, enquanto somente a classe média alta consegue se formar nas melhores universidades do Brasil. Queremos que o filho do pedreiro tenha o direito não só ao acesso, mas a permanência até o diploma, desfrutando do que há de melhor no conhecimento que o nosso país produz.
* Os programas de governo oficiais são os homologados pela coligação na oficialização da candidatura.