Texto de Marina Persegani, da Coordenação Nacional do RUA.
#SOSRioGrandeDoSul #RUA10Anos
O evento é climático. A tragédia é política.
Construir cidades feitas de nós.
O EVENTO É CLIMÁTICO
A culpa não é da chuva. Já sabemos ou deveríamos saber disso. O Brasil tem sido palco de grandes tragédias climáticas nos últimos anos. De secas intensas e racionamento de água até chuvas históricas que destruíram bairros e cidades inteiras. Hoje vivemos ondas de calor absurdas, índices de baixa umidade, cidades que padecem perante a mineração predatória. Não esqueceremos as tragédias do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, de Maceió, da região serrana e da baixada do Rio de Janeiro, da Bahia, de Mariana, Brumadinho e todos os outros cantos do país duramente afetados pela necropolítica que escolhe, mais uma vez, o lucro acima da vida.
Não esqueceremos nossos mortos, desabrigados e refugiados climáticos. Não esqueceremos nossa fauna e nossas florestas destruídas. Não esqueceremos o projeto político que nos trouxe até aqui.
O sul do país enfrenta grandes desastres por conta da chuva no último período. As mudanças climáticas são como um trem desgovernado rumo ao abismo e os alertas sobre elas não são novidade. O racismo ambiental faz com que as populações mais atingidas pelas catástrofes climáticas sejam as populações negras, periféricas, originárias e tradicionais. Em um tempo de profunda crise da humanidade sob o capital, é preciso compreender a principal tarefa da nossa luta: defender a vida, derrubar o capitalismo e frear as mudanças climáticas.
CRONOLOGIA DE UMA NECROPOLÍTICA ECOCIDA
O que o Brasil vive hoje não é coincidência. Os últimos anos foram marcados pelo desmonte da proteção ao meio ambiente. Durante o governo Bolsonaro, a destruição se acentuou. Antes mesmo de ser eleito, já havia estimulado o avanço do garimpo sobre terras indígenas e quilombolas. Levantamento histórico, realizado pelo MapBiomas, mostra que o garimpo cresceu 632% em terras indígenas entre 2010 e 2021.
Sob a gestão ecocida de Ricardo Salles, o Ministério do Meio Ambiente cortou R$89,9 milhões do orçamento do Ibama em 2019, o que impactou diretamente nas operações de fiscalização e outras ações de gestão. No mesmo ano, Bolsonaro cortou R$187 milhões do Ministério do Meio Ambiente. O ICMBio perde R$45 milhões do orçamento anual, destinado às Unidades de Conservação Federais, uma redução de 26%.
Todo esse desmonte se conecta com um dos maiores culpados pela aceleração da crise climática: o agronegócio. Ainda em 2019, a Anvisa publica nova regulamentação para a avaliação de riscos de agrotóxicos. A lista de produtos “extremamente tóxicos” foi reduzida de 702 para 43. Sob o crescente ataque às políticas de proteção ambiental, Salles é flagrado dizendo, no início de 2020, que era momento de aproveitar a pandemia (que deixou mais de 700 mil brasileiros mortos) para ''passar a boiada''. Dito e feito: o avanço do agro sobre as florestas, o colapso climático, e a política de Salles e Bolsonaro elevaram o desmatamento da Amazônia em níveis alarmantes e, em queimadas históricas, os biomas da Amazônia e do Pantanal perderam grande parte do seu território original. Só em 2020, o Pantanal teve cerca de 30% de sua área destruída pelo fogo e mais de 17 milhões de animais vertebrados morreram com as queimadas. No ano de 1991, o Pantanal havia perdido 3,9% de sua área original para o desmatamento, até 2015, havia perdido 15%. O Pantanal termina a gestão Bolsonaro com quase 50% de sua área original perdida.
Em 2021, o agronegócio tentou derrubar a Lei Zé Maria do Tomé, que proibia a pulverização aérea - ou chuva de veneno - nas plantações cearenses. A lei leva o nome do agricultor que lutou contra a pulverização aérea e foi assassinado numa emboscada em 2010. Em 2021, o agronegócio tentou derrubar a Lei Zé Maria do Tomé, que proibia a pulverização aérea - ou chuva de veneno - nas plantações cearenses. A lei leva o nome do agricultor que lutou contra a pulverização aérea e foi assassinado numa emboscada em 2010. Em 2022, Bruno e Dom tiveram suas vidas arrancadas por lutar pelas causas dos povos indígenas e o meio ambiente. Não os esqueceremos. Não esqueceremos Chico Mendes. Nem esqueceremos nenhum dos outros centenas de ativistas da luta indígena e socioambiental que perderam suas vidas para a política da destruição.
A TRAGÉDIA É POLÍTICA: A ORDEM DOS FATOS NO RIO GRANDE DO SUL
“Não é hora de procurar culpados”, diz Eduardo Leite (PSDB), um dos principais culpados pela situação enfrentada pelo Rio Grande do Sul. Em 2022 a pasta da Defesa Civil contava com verba de R$1 milhão. Em 2023, ano em que as enchentes arrasaram o Estado, o valor caiu para R$100 mil. Neste ano, Leite destinou apenas R$50 mil, mesmo que o RS tenha enfrentado três grandes enchentes entre junho e novembro do ano anterior. Em seu primeiro mandato, em 2019, Eduardo Leite passou por cima do Código Ambiental do RS, alterando em 480 pontos da lei ambiental a fim de flexibilizar as regras, demonstrando sua negligência com o enfrentamento da crise climática.
Sob a gestão de Sebastião Melo (MDB), o investimento da prefeitura de Porto Alegre em prevenção de enchentes caiu até ser reduzido à zero. Isso mesmo. A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023.
LINHA DO TEMPO - A crise era anunciada
26/04: O Instituto Nacional de Meteorologia emite alerta para tempestades volumosas com potencial de grandes riscos para o RS e SC.
27/04: Dia do primeiro temporal. A MetSul alerta para tempo severo, chuva intensa, granizo e vendavais no RS.
28/04: MetSul emite novo alerta: “Grave risco de enchentes no Sul do Brasil por chuva excessiva. Cenas de 2023 de cidades alagadas vão se repetir.”
29/04: Novo alerta da MetSul: “Arroios transbordam e rios sobem. Várias cidades registram alagamentos. Alerta de muita chuva ainda por vir com volumes extremos e enchentes.” INMET emite alerta vermelho para o RS. É registrada a primeira inundação no Vale do Taquari. A atuação da Defesa Civil continua amena, é nessa noite que Eduardo Leite faz seu primeiro pronunciamento, vago e brincando não ser o “homem do tempo”.
30/04: INMET alerta para continuidade das chuvas volumosas, superando os 200mm. Cemaden classifica o risco hidrológico do RS como ALTO. Este dia termina com 8 mortos e enchentes em várias partes do estado. Somente neste dia é que a Defesa Civil emite alerta recomendando que a população deixe áreas de risco e que as prefeituras adotem planos de contingência.
01/05: Após dias de atuação moderada e pouca orientação da Defesa Civil à população, Eduardo Leite anuncia que o Governo do Estado não terá condições de realizar todos os resgates e só então suspende as aulas dos próximos dias. É somente na passagem do dia 01 para o dia 02 que a Defesa Civil passa a emitir alertas com termos como riscos “extremos” e “severos”.
02/05: Já era tarde demais. Neste dia o Rio Taquari atinge o maior nível de sua história: 30 metros. A contagem já estava em 32 mortos. A barragem 14 de Julho, entre Cotiporã e Bento Gonçalves, se rompe parcialmente. O aumento do nivel do Guaíba passa de 3 metros.
03/05: Caos instaurado no estado. O Guaíba termina o dia com seu nível passando de 4,77 metros, maior que a cheia histórica de 1941.
04:/05: Batendo a contagem de 55 mortos, o evento se torna a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul. A enchente do Guaíba atinge 5 metros.
06/05: 80 comunidades indígenas foram atingidas no estado, Funai estima 466 famílias indígenas desalojadas.
NÚMEROS ATUALIZADOS DO RS
quarta-feira, 08 de maio de 2024
> 397 dos 497 municípios gaúchos foram atingidos
> 1 milhão e meio de pessoas afetadas pelas chuvas e alagamentos
> 450 mil pessoas estão sem luz
> +159 mil pessoas estão desalojadas
> +48 mil pessoas estão em abrigos
> 362 pessoas feridas
> 70% da população da capital sem água
> +95 mortes
> +130 desaparecidos
É PRECISO DERRUBAR ESSE SISTEMA!
Hoje, é o Rio Grande do Sul que enfrenta uma enorme tragédia, mas esses desastres não são naturais. É preciso derrubar o sistema que transforma nossas vida em lucro e que ceifa a população da qualidade de vida necessária. As enchentes, queimadas, ondas de calor, ventos intensos e mudanças meteorológicas continuarão acontecendo e fazendo de nós uma sociedade de refugiados climáticos.
“A acumulação ilimitada de capital, a mercantilização de tudo, a exploração implacável do trabalho e da natureza e a catástrofe ecológica daí resultante comprometem as bases de um futuro sustentável, pondo em perigo, assim, a própria sobrevivência da espécie humana” Michael Löwy
É preciso encontrar meios de impedir que as garras do capitalismo continuem matando nossa gente. É urgente defender a vida, derrubar o capitalismo e frear as mudanças climáticas.
Ecossocialismo ou extinção!
Fontes:
https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/AI-SEDE/8813/1/071-pant.pdf
https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2021/07/10/um-ano-apos-perder-26percent-do-bioma-pantanal-corre-o-risco-de-ter-incendios-piores-neste-inverno.ghtml
https://g1.globo.com/politica/noticia/2010/06/desmatamento-no-pantanal-atinge-282-da-area-em-sete-anos.html
https://www.metropoles.com/brasil/meio-ambiente-brasil/garimpo-cresceu-632-em-terras-indigenas-de-2010-a-2021-diz-estudo
https://www.wwf.org.br/?77074/Brasil-em-chamas-Pantanal-bate-recorde-de-queimadas-enquanto-o-governo-nega-as-evidencias
https://reporterbrasil.org.br/2022/09/na-rota-da-destruicao-as-3-obras-do-agro-que-desmatam-a-amazonia-e-o-pantanal/
https://brasil.mapbiomas.org/2023/06/12/desmatamento-nos-biomas-do-brasil-cresceu-223-em-2022/#:~:text=A%20%C3%A1rea%20desmatada%20no%20Brasil,de%20desmatamento%20no%20ano%20passado.
https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/05/temporais-no-rs-veja-cronologia-de-desastre.ghtml
https://www.brasildefato.com.br/2024/05/06/cheias-atingem-80-comunidades-indigenas-no-rio-grande-do-sul-veja-como-doar
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/07/porto-alegre-nao-investiu-um-centavo-em-prevencao-contra-enchentes-em-2023.htm?utm_source=twitter&utm_medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_content=geral
https://www.band.uol.com.br/noticias/numeros-mostram-a-dimensao-da-tragedia-no-rio-grande-do-sul-16687486
https://www.band.uol.com.br/noticias/numeros-mostram-a-dimensao-da-tragedia-no-rio-grande-do-sul-16687486