Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2023, Caíque Azael*.
Estava na UFRJ no momento em que começaram a circular pelas redes as notícias da triste situação na Zona Oeste do Rio de Janeiro nesta segunda (23). Percebi, ao fim da aula, preocupação em parte da comunidade acadêmica sobre a situação das unidades. por volta das 19h, horário de retorno de muitos dos nossos alunos e trabalhadores. “É para fechar a unidade?”, “Amanhã vai ter aula?” e outras derivações. É normal que, em situações inesperadas, a administração central demore em prover respostas tão concretas, dado os múltiplos fatores a serem analisados que podem impactar na realidade da universidade.
Ao chegar em casa, li mais uma nota da Reitoria da UFRJ sobre o ocorrido, recomendando o abono de faltas no dia seguinte (1), por possíveis dificuldades dos alunos e trabalhadores que moram em áreas afetadas; e reafirma que há um grupo de trabalho na UFRJ para pensar um protocolo de atuação em caso de operações policiais (2). A nota pode ser lida no site da Universidade: https://ufrj.br/2023/10/nota-sobre-atividades-na-ufrj-no-dia-24-10/.
A rigor, olhando rápido, a UFRJ agiu de forma acertada. Certo? Na minha opinião, não. Além de covarde, a Universidade tem agido de forma a reforçar a exclusão de grupos sociais específicos do processo formativo e tem se eximido de seu importante papel na disputa da cena política estadual e nacional.
Queria começar apontando 02 erros gritantes nos recentes posicionamentos da Universidade. Falo no plural pois estamos convivendo semanalmente com situações de emergências que geram notas bem parecidas, numa linha de “desculpe o transtorno, abone faltas, tem um GT pensando em como se adaptar”.
1) Ao normalizar abonos e ausências, naturalizamos uma universidade que, diante de contextos de violência de estado, pode existir e seguir a vida normalmente sem parte imprescindível de sua comunidade acadêmica. A vida pode seguir, com aqueles que sempre puderam estar por aqui. A vida pode seguir, os que moram em área de risco serão perdoados por suas faltas. A universidade é separada, há camadas sociais muito diferentes. Quando a gente torna rotineira essa coisa de seguir a vida com quem pode seguir, a gente não por acaso exclui aqueles que até dia desses não estariam na UFRJ, não fossem as políticas de ação afirmativa. Está errado. Não tem que abonar falta, tem que parar tudo. Não tem condição de ter aula. Os serviços públicos, ao orientarem esses abonos justificados — importantes, é claro, não temos que forçar ninguém a sair de casa sem condições de segurança — operam a mesma lógica que durante a pandemia nos ensinou que as vezes ficar em casa não garante segurança a ninguém, pelo contrário. Se a orientação da UFRJ a um aluno da Maré for de ficar em casa durante uma operação policial, ela se exime de pensar sobre a questão, inclusive sobre o fato de que a casa desse aluno é um alvo para o estado brasileiro. Ganha também uma lógica que priva os alunos já vulnerabilizados dos espaços de produção de saber, formação e qualificação profissional.
2) O tom público desse grupo de trabalho da UFRJ sobre operações policiais tem sido de produzir normas de adaptação da UFRJ à essa situação de guerra que vivemos no Rio de Janeiro. Não devemos nos adaptar. Devemos fortalecer as insurgências populares contra a barbárie das máfias e milícias, devemos confrontar a lógica de extermínio em favelas que o Governo do Estado tem operado e devemos, mais que nunca, articular nossa potente rede de pesquisadoras e pesquisadores para contribuir com formulações de políticas públicas intersetoriais e promover incidência política.
Cabe lembrar que, no momento, a UFRJ possui capacidade de articulação direta com o poder legislativo — temos ao menos dois docentes progressistas que estão licenciados para exercer mandatos parlamentares. O professor Chico Alencar, que está no Congresso Federal, e a professora Luciana Boiteux, que está na Câmara dos Vereadores, são aliados de primeira linha da Universidade. Como eles, há muitos outros não só no parlamento mas nos movimentos sociais, que podem contribuir para a construção de lutas do tamanho dos nossos desafios.
O que me alegra nesse contexto é que, enquanto a Reitoria se acovarda e apequena, parte do Movimento Estudantil brilha e honra sua responsabilidade. Com alegria li a nota do Centro Acadêmico Franco Seminério, de Psicologia, que desafia a timidez institucional e caminha no horizonte correto. Vi também um bom posicionamento da Escola de Serviço Social, cancelando as aulas. E, depois, da Direção do Instituto de Psicologia, acolhendo a demanda dos estudantes e suspendendo todas as atividades. Que se multiplique a rebeldia diante da pequenez da administração central. E que nosso aguerrido CFCH se oriente para contribuir nessa discussão de forma mais enérgica, pois precisamos de uma voz ecoando de forma mais firme num horizonte de disputar o sentido da universidade contra a lógica de individualização dos problemas e privatizações das soluções.
E sempre lembrando: quem faz a UFRJ viva somos nós.
*Doutorando em Psicologia na UFRJ e militante do RUA — Juventude Anticapitalista