Por Helena Cunha, militante do RUA SP, feminista internacionalista, pesquisadora da luta das mulheres no Brasil e América Latina
Neste 8 de março, ocuparemos mais uma vez as RUAs do Brasil e do mundo contra a extrema-direita e em defesa das nossas vidas. Em uma conjuntura ainda marcada pela crise multifacetada do capitalismo, vemos o aprofundamento da crise ecológica, da concentração de renda, da militarização da vida e aumento dos níveis de violência, cujos efeitos recaem sobretudo sobre nós, mulheres, pessoas trans, travestis, não bináries e sob o povo preto e os povos indígenas de modo geral. Essa crise revela que o mundo neoliberal está em transição, abrindo uma disputa sobre que tipo de mundo viveremos após sua superação.
É bastante evidente que quem sai na frente dessa disputa é a burguesia, que visando ampliar suas taxas de lucro, aplica medidas ultraliberais que favorecem o capital financeiro em detrimento da garantia dos direitos básicos do nosso povo. Vivemos uma era de aprofundamento das privatizações e da mercantilização das nossas vidas.
Nesse contexto, a extrema-direita se fortalece a nível mundial e segue com ampla capacidade de disputar a hegemonia da sociedade. A eleição de Milei na Argentina e de Bukele em El Salvador, assim como a crise de segurança pública no Equador e as saídas autoritárias adotadas por Daniel Noboa, são exemplos do fortalecimento da extrema-direita no nosso continente. Nos Estados Unidos, a reeleição de Trump mostra-se cada vez mais provável e na Europa vemos o fortalecimento da extrema-direita em quase todas as últimas eleições regionais.
O genocidio em curso em Gaza materializa hoje a expressão mais sanguinária da extrema-direita. Embora o projeto de colonização e limpeza étnica da Palestina perdure há mais de 70 anos, a investida em curso do exército israelense iniciada em outubro do ano passado representa a fase mais violenta desse processo, que já deixou um saldo de mais de 30 mil palestinos mortos, seja por bombas, por fome ou por demais consequências da terrível crise humanitária que hoje afeta em especialmente mulheres e crianças palestinas. A violência do exército israelense contra o povo palestino representa uma guerra contra a reprodução da vida. Enquanto feministas, é nosso papel defender o povo palestino, seu direito a vida e a autodeterminação e exigir o cessar-fogo imediato em Gaza. Além disso, nos somamos ao chamado do povo palestino por boicote a Israel e exigimos que o governo brasileiro rompa todos os tipos de relaçoes economicas, militares e diplomaticas com esse estado genocida. Palestina livre, do rio ao mar!
No Brasil, mesmo após a derrota eleitoral de Bolsonaro, a extrema-direita segue com ampla capacidade de enraizamento social e de mobilização, como vimos no ato do dia 25 de fevereiro em São Paulo. O projeto da extrema-direita para o mundo representa a epítome da violência patriarcal e colonial sobre nossos corpos, povos e territórios. Nesse sentido, o contínuo avanço do garimpo sobre o território Yanomami, o extermínio da juventude negra nas favelas e periferias e o crescente número de feminicídios e transfeminicídios são exemplos do aprofundamento dessa violência que caracteriza a formação da sociedade brasileira e da manutenção do poder daqueles que priorizam os lucros acima das vidas.
Enquanto sujeitas históricas, compreendemos que o nosso desafio e nossa principal tarefa no próximo período é disputar contra a extrema-direita uma alternativa de futuro. Assim, neste 8M recordamos o legado de todas as que vieram antes de nós. Recordamos a todas as que resistiram e resistem ao projeto colonial racista que estrutura a formação do Brasil. Recordamos a todas as que sobreviveram aos centros de detenção e tortura da ditadura civil-militar que neste ano completa 60 anos, assim como a todas que deram as suas vidas para que pudéssemos estar aqui hoje. Recuperamos o legado de Marielle Franco e nos transformamos em semente do projeto de transformação radical da sociedade que Marielle sempre lutou.
Nos queremos vivas!
No Brasil, cerca de quatro mulheres por dia são vítimas de feminicídio. Destas, mais de 60% são mulheres negras e, em sua maioria, jovens. Em relação ao assassinato de pessoas trans, o Brasil registrou no ultimo ano um aumento de 10,7% desse tipo de crime, sendo a maioria dessas vitimas jovens e negras. Precisamos romper com o pacto machista e racista que nos violenta e nos condena à morte dentro e fora de nossas casas e construir vínculos que garantam essencialmente as vidas de mulheres negras, indígenas, transexuais e travestis. Basta de feminicídios e transfeminicídios! Janaina Bezerra, Mara Brandão, Carol Campelo, Julieta Hernandez, Marcia Soares, Sarah Domingues presentes!
Também exigimos autonomia e liberdade para nossos corpos e para isso é necessário que a maternidade seja uma escolha e não uma imposição. Que ela possa ser exercida em toda a sua plenitude por aquelas que desejam ser mães, com pleno acesso à educação e saúde públicas, gratuitas e de qualidade e que nenhuma mãe tenha que ver a vida de seu filho interrompida pelas balas da Polícia Militar. Do mesmo modo, exigimos o direito ao aborto legal, seguro e gratuito para todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestar que decidirem interromper uma gravidez indesejada.
O direito ao aborto seguro diz respeito ao direito ao futuro. No Brasil, apenas mulheres e pessoas com capacidade de gestar brancas e ricas têm o direito ao planejamento familiar, a escolher se, e quando, querem ter filhes e são quem têm condições de interromper uma gravidez indesejada quando assim decidirem. Mulheres negras e pobres não têm esse direito. Quando desejam ser mães, correm o risco de ver seus filhos serem assassinados pelas balas da Polícia Militar. Quando desejam interromper uma gravidez, são as que correm o maior risco de serem presas ou mortas em decorrência de um aborto clandestino. Por isso exigimos: educação sexual para prevenir, contraceptivos para não engravidar e aborto legal, seguro, gratuito e garantido pelo SUS para não morrer!
Por um 8M anticapitalista, antirracista e transfeminista!
Neste 8M nos unimos em uma luta internacional, anticapitalista, antirracista e transfeminista para exigir o fim de todas as formas de violência. Nos somamos às vozes que lutam contra a extrema-direita no mundo, contra o sionismo e pelo fim do genocidio em Gaza. Nós feministas anticapitalistas fazemos parte de uma luta histórica, que carrega o legado de todas as que vieram antes de nós para construir um outro futuro.
Se a extrema-direita projeta um futuro distópico e de terra arrasada, nós recuperamos nossas utopias para lutar por um outro projeto de mundo. Sonhamos e lutamos por um futuro livre de violências sobre nossos corpos e nossos territórios. Lutamos pelo fim das opressões e de toda forma de exploração capitalista. Lutamos por um mundo em que valha a pena viver, em que a vida esteja acima do lucro. Lutamos por um mundo feito por e para o nosso povo. Como disse Rosa Luxemburgo, lutamos “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
Derrotar a extrema-direita. Construir um futuro feminista.
Neste 8 de março, ocuparemos mais uma vez as RUAs do Brasil e do mundo contra a extrema-direita e em defesa das nossas vidas.
O nosso desafio e nossa principal tarefa no próximo período é disputar contra a extrema-direita uma alternativa de futuro. Assim, neste 8M recordamos o legado de todas as que vieram antes de nós. Recordamos a todas as que resistiram e resistem ao projeto colonial racista que estrutura a formação do Brasil. Recordamos a todas as que sobreviveram aos centros de detenção e tortura da ditadura militar, assim como a todas que deram as suas vidas para que pudéssemos estar aqui hoje. Recuperamos o legado de Marielle Franco e nos transformamos em semente do projeto de transformação radical da sociedade que Marielle sempre lutou.
Nos queremos vivas! Por um 8M anticapitalista, antirracista e transfeminista!