Editorial RUA 09 de Junho de 2020
“Vidas negras importam” é a palavra de ordem que ecoa através das mobilizações de massas estadunidenses há mais de 10 dias, em todo o território nacional, a partir do assassinato de George Floyd por um policial branco de Minneapolis. E nesse final de semana, a palavra de ordem ganhou inúmeras traduções, em atos massivos que ocorreram em Berlim, Londres, Sidney, Madrid, Roma e se espalhou pelo mundo. Nas redes, acompanhamos um levante de conteúdos antirracistas. No Brasil, o movimento negro demonstrou sua potência em unidade ao articular um ato virtual com mais de 600 entidades, transformando em luta, o luto pelo assassinato do menino João Pedro, e relembrando também Agatha, João Victor e tantos outros que morreram nas mãos de uma corporação racista e violenta. Os ventos norte-americanos trouxeram mais força e inspiração para a nossa luta, que com prudência e coragem, foi às ruas neste domingo contra a banalização das mortes de corpos negros no nosso país.
Estamos na linha de frente da defesa da vida e sabemos que diante do crescimento exponencial no número de contaminados e mortos, deveríamos estar todos e todas em quarentena para que superemos essa crise o mais breve possível. No entanto, enquanto nós nos organizamos em redes de solidariedade nos territórios para enfrentar a batalha cruel contra a fome e lutamos em todas as esferas para que o isolamento social fosse garantido, Bolsonaro demitiu ministros da saúde, escondeu os números reais dos casos e atrasou o pagamento do auxílio emergencial. E parecendo não satisfeito com mais de 35 mil mortos, o estado genocida foi nos matar dentro de nossas casas, entrando nas favelas e periferias do Brasil através de operações policiais para derrubar mais e mais corpos - negros e pobres.
Com seu discurso autoritário, o presidente criou uma crise política com o Congresso, o Senado e o STF e participou religiosamente, aos domingos, dos protestos fascistas que pediam intervenção militar e adotavam simbologia da ku klux kan. Seu filho chegou a dizer que uma possível intervenção militar no Brasil não era uma questão de se, mas quando. Eles se organizaram para nos matar. Nós nos organizamos para não morrer. Derrotar o projeto fascista de bolsonaro e enfrentar a estrutura racista de nossa sociedade é parte desse plano.
Dessa vez decidimos dar o nosso recado nas ruas. Esta não foi uma escolha fácil e muito menos é isenta de contradições - e deve ser reavaliada constantemente pelos atores envolvidos. Buscamos garantir o distanciamento social, com concentrações em lugares abertos e espaçosos, e equipamentos de segurança. avaliando a possibilidade de organizar intervenções descentralizadas. As brigadas de saúde cumpriram um papel fundamental, ao distribuir máscaras e álcool gel para os que não tinham.
Ocupamos 20 capitais com atos contra o racismo, o fascismo e em defesa da democracia. E mostramos que se o fascismo tem nos negros e pobres um de seus inimigos, não há espaço para uma luta antifascista que não seja essencialmente antirracista. Enquanto isso, os atos em defesa do governo se resumiram a 5, com pouquíssimas pessoas. Provamos a nossa força e até mesmo o acampamento dos “300” em Brasília se recolheu, deixando a Esplanada dos Ministérios livre para os setores democráticos.
A repressão foi, mais uma vez, desproporcional: a polícia do RJ disse que não permitiria o porte de álcool gel de mais de 50g, revistou e prendeu manifestantes de forma arbitrária e cercou o ato do início ao fim, utilizando até tanque de guerra para proteger a estátua do Duque de Caxias. Em Fortaleza a polícia sequer deixou que os manifestantes chegassem ao local da concentração e reprimiu fortemente os que estavam ao redor. Mesmo assim conseguimos garantir a segurança mínima e demos o recado aos fascistas que acham que são donos do país: nós somos maioria e faremos vocês recuarem.
Esse domingo foi um dia de vitória. E nossa luta segue. Com a pressão para que o auxílio emergencial seja estendido e para que as famílias que ainda não o acessaram tenham o seu direito garantido, pela isenção nas contas básicas e pelo direito à quarentena. Pela garantia dos direitos trabalhistas e para que as grandes fortunas sejam taxadas imediatamente e seu recurso revertido para a construção de hospitais de campanha e EPIs. E inspirados nos que se revoltaram contra a escravidão e nos que esmagaram o nazi-fascismo. Na juventude brasileira que recolhe alimento e distribui em seu território para que não falte na mesa do outro e nos que derrubaram a estátua que homenageia um comerciante de escravos no Reino Unido. Até que Bolsonaro e seu projeto caiam e enquanto pudermos sonhar com a construção de uma sociedade livre de opressões.