Arthur Vilela Ortiz, abril de 2024. Revisão por Matheus Maia.
(Aviso de conteúdo sensível)
Março de 2024: o mês que provou que no mundo do futebol o sucesso esportivo e o dinheiro estão acima das vidas das mulheres!
Ao invés de debatermos os rumos do futebol feminino no país para conseguirmos avançar cada vez mais na categoria, que neste mês conseguiu alcançar a final da Copa Ouro, competição de seleções realizada nos Estados Unidos, perdendo para as anfitriãs, vimos a pauta ser escanteada para abordar a verdadeira derrota. Essa não nos campos, mas sim da sociedade brasileira como um todo: a impunidade para abusadores dentro do esporte.
Foram quatro grandes casos que mexeram com o mundo do futebol brasileiro nesse período. O primeiro deles que novamente veio a tona foi o do ex-jogador Daniel Alves, preso por agressão sexual na Espanha em janeiro de 2023, tendo sido julgado e condenado 1 (um) ano após a prisão. Todavia, o que era pra ser uma resposta contundente aos abusadores, acabou apenas mostrando que se você possuir um grande capital, não precisará pagar pelos seus crimes.
Apenas 150 mil euros foram o suficiente para atenuar sua pena para 4 anos e meio, dinheiro este disponibilizado pela família de Neymar Jr. O pacto da masculinidade, que já estava presente no futebol pela ausência de tomadas de posições das pessoas e entidades do esporte perante à situações de violência, como o racismo e as violências de cunho sexual, esse fato se materializou ainda mais com a atenuação da pena de um estuprador.
Mesmo com a pena reduzida, Daniel ainda pagaria, embora por pouco tempo, por seu crime na cadeia. Todavia para a justiça espanhola o crime de agressão sexual é afiançável - o que por si só já beira o absurdo. Míseros 1 milhão de euros: é isso que vale a vida da vítima de estupro para a justiça espanhola!
Um tapa na cara de toda mulher que acreditava que a justiça seria feita. Mais uma vez as instituições burguesas provando que não se importam com o crime, mas sim com quanto se pode arrecadar com ele.
O caso de Daniel Alves reacendeu outro caso de agressão sexual cometida por um atleta brasileiro, o do ex-jogador Robinho, que participou de um estupro coletivo de uma jovem albanesa em 2013 na Italia, quando atuava pelo Milan. Enquanto o julgamento acontecia na europa, o ex-atacante fugiu para o Brasil, não podendo ser extraditado, já que o país não realiza esse tipo de processo com pessoas nascidas aqui.
Por aqui, Robinho ficou livre durante esses anos, mesmo após ter sido condenado em todas as instâncias pela justiça italiana. Sentiu-se à vontade até para sair às ruas em manifestações bolsonaristas que questionavam o resultado das eleições de 2022. E chegou a participar de um churrasco promovido pelo Santos Futebol Clube em fevereiro deste ano, sendo convidado pela equipe. O pacto da masculinidade se faz presente novamente, onde um criminoso é recebido de portas abertas por um dos maiores times desse país. Não há desculpas que apaguem esse fato!
Invejo as pessoas que não tiveram o desprazer de ouvir os áudios desprezíveis que foram utilizados como uma das provas que o condenaram, pois é de revirar o estômago. Atualmente, Robinho se encontra preso na penitenciária de Tremembé II devido a decisão do STJ no dia 20/03 de cumprir com os acordos de cooperação internacional entre Brasil e Itália.
Os casos citados acima não tiveram nenhum tipo de repercussão dentro de entidades do esporte como a CBF, mesmo os dois condenados tendo títulos pela seleção canarinho. A única pessoa que ousou se pronunciar pelo caso foi uma mulher, Leila Pereira! A atual presidente do Palmeiras foi convidada pela CBF para ser a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe de delegação da seleção nos amistosos contra Inglaterra e Espanha e soltou o verbo:
“Ninguém fala nada, mas eu, como mulher aqui na chefia da delegação, tenho que me posicionar sobre os casos do Robinho e Daniel Alves. Isso é um tapa na cara de todas nós mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade. Acho importante eu me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”
Não é um assunto que as mulheres devem abordar sozinhas só por serem “a parte interessada”. Os homens que estão a frente deveriam tomar outra postura e mostrar que estão realmente preocupados com os rumos que casos como os citados estão tomando, já que estamos falando de pessoas as quais foram (espero que não sejam mais) ídolos de milhões de crianças pelo mundo.
O terceiro caso que impacta o futebol brasileiro é do técnico Cuca, contratado pelo Athletico-PR no dia 04/03 para dirigir o clube no seu centenário. Cuca é acusado de ter participado de um estupro coletivo de uma criança de 13 anos quando atuava como jogador.
O fato aconteceu em 1987, quando o Grêmio, time que atuava na época, fazia uma excursão pela Suíça. Dois anos depois, ele e os outros três criminosos foram condenados à prisão. Porém, todos os envolvidos estavam no Brasil, e devido a isso não foram extraditados para cumprir suas penas no país em que o crime ocorreu, assim como Robinho.
O caso voltou à justiça suíça a pedido da defesa do treinador que afirmava que a condenação teria sido injusta devido às diversas irregularidades ocorridas no processo de 1989. Por esse fato, em dezembro de 2023 a juíza Bettina Bochsler anulou a sentença e ainda determinou que Cuca recebesse uma indenização de 9500 francos suíços (R$ 55,2 mil).
Contudo essa decisão não o torna inocente. As provas que os condenaram na época foram contundentes. A principal delas se refere ao sêmen dos jogadores, que foi encontrado na vítima. Como haviam passado muitos anos, o caso não pode ser julgado no Brasil por ter sido prescrito. Cuca fez um voto de silêncio, juntamente com a maioria dos homens que trabalham com futebol, e ficou sem falar sobre o caso por anos, fazendo com que o assunto fosse esquecido por um tempo. Nesse período ele passou por grandes equipes do Brasil conquistando títulos importantes como a Libertadores da América em 2013 pelo Atlético Mineiro, e sendo cotado até mesmo para assumir a seleção brasileira.
O caso só retomou notoriedade após o Corinthians tê-lo contratado. A equipe paulista é famosa por possuir uma filosofia progressista, muito pelo que fez na época da ditadura militar, e devido a isso a torcida do timão exerceu uma pressão monstruosa para que o treinador fosse demitido do clube. Apesar dos jogadores o defenderem, a situação ficou insustentável e ele pediu para sair.
Na sua estreia pelo time paranaense, Cuca teve seu nome entoado pelos torcedores, sem o jogo ao menos ter começado, um ABSURDO COMPLETO! Na sua entrevista, depois da vitória, ele comentou sobre a “polêmica” e pediu desculpas para as mulheres, todavia em nenhum momento ele cita a vítima de seu crime. Ela que nem pode se manifestar mais sobre tudo isso, pois está morta.
Grandes nomes do jornalismo esportivo deram seu parecer após a fala do treinador, como Juca Kfouri que intitula seu artigo no UOL como “Hoje Cuca se redimiu”. Redimiu-se de ter violado uma criança lendo um texto cheio de contradições onde nada de relevante é posto?
Além de Juca, outros seguiram a mesma linha de perdoá-lo, como PVC e Casagrande, pelo simples fato de ter pedido desculpas. É um escárnio que um simples texto que não diz absolutamente nada sobre o caso em si seja o suficiente para que a imprensa esportiva brasileira o trate como inocente e digno de perdão.
Cuca segue no comando do Athletico-PR e parece que terá vida longa no time, pois para grande parte da torcida o que importa são os bons resultados dentro de campo que o treinador pode proporcionar num ano tão importante para a história do clube. Mais uma vez o pacto da masculinidade de acobertar e acolher abusadores se faz presente no futebol e quem perde com isso? Absolutamente todo mundo!
O caso mais recente é do técnico Kleiton Lima, o Santos, mais uma vez mencionado no texto, recontratou o profissional após o próprio passar por casos de assédio moral e sexual contra jogadoras do time feminino. As Sereias da Vila, como são chamadas as atletas do time da baixada paulista, escreveram cartas com denúncias sobre o comportamento agressivo, assediador e predatório de Kleiton.
O Santos resolveu nesta semana chamar de volta Kleiton para a vaga de… treinador do time FEMININO profissional, o mesmo que, ano passado, havia o denunciado por atitudes criminosas. As Sereias jogam a série A-1 do Brasileirão Feminino e vão precisar alinhar ao lado do homem que expulsaram do time menos de 1 ano atrás. Revoltante e assustador.
O debate das opressões é tarefa de todos, não somente das classes oprimidas. Neste caso, debater as violências no mundo do esporte é extremamente necessário, em especial pelos homens que acompanham as competições. Esporte e política se misturam: é preciso falar sobre isso e romper com o pacto da masculinidade que, com tanta recorrência, protege agressores e apaga a memória de suas vítimas.