Uma reflexão sobre os desafios postos ao movimento diante da situação calamitosa que a nossa universidade atravessa
A história das lutas da educação nos comprova elementos imprescindíveis à análise do corrente momento. Desde a redemocratização o grau de mobilização dos segmentos da educação nos permitiu, nos momentos de ascensão de lutas, em conjunturas mais ou menos adversas, avançar nas nossas conquistas e segurar os impactos de retrocessos. Os momentos de dispersão são aqueles onde o lado de lá desse cabo de guerra vem para cima, e parece que nos encontramos em um desses momentos.
É verdade que a operação da contrarreforma do estado, com o desmonte de serviços públicos sob a égide do paradigma neoliberal, encontrou um caminho aberto a partir de uma destituição ilegítima em 2016. Houve então a entrada de um governo não eleito, sem o menor escrúpulo para operar uma agenda de ataques diretos à educação. Esse quadro assume uma tônica ainda mais dramática com a eleição de Bolsonaro, em que estavam reunidos à mesa o autoritarismo, o obscurantismo e aqueles que nunca estiveram de fora da fotografia do poder. Era o fascismo entrando de cabeça erguida pela porta da frente do Ministério da Educação nestes 4 anos.
Um grande apagão orçamentário propositalmente direcionado à educação foi promovido nesse ciclo, num contexto de uma verdadeira guerra cultural contra as instituições públicas de ensino. A volta do PT ao poder foi uma demonstração da insatisfação popular com as políticas anti-povo em curso, e um fôlego ao conjunto dos movimentos sociais que estavam na linha de frente no combate ao fascismo e às políticas de morte. No entanto, a reversão do estrago causado no ciclo 2016-2022 na educação exige muito empenho militante de todos os setores do movimento para que se aprove um orçamento capaz de compensar todas as perdas materiais dos últimos anos e as universidades assumirem seu devido protagonismo na produção de ciência e tecnologia para a reconstrução do Brasil.
Infelizmente verifica-se, hoje, que o atual quadro é de um loteamento do Ministério da Educação por lobbies da educação privada. Tá na ordem do dia desses, os que nunca estiveram de fora da fotografia do poder, um conjunto de políticas que beneficiam o ensino privado em detrimento do público e a manutenção de políticas de austeridade - agora aprovadas pelo governo, como o arcabouço fiscal. Vemos agora a institucionalização do “orçamento secreto”: o congresso mais conservador da história recente obtém tamanho poder de ingerência jamais visto desde a redemocratização sobre o orçamento público.
Essa configuração move o governo para uma quase acomodação estagnada. O nosso papel é mobilizar os setores progressistas da sociedade, que estão ou não compondo o governo, para que a prioridade política da agenda do Lula seja pautada por nós! Não há atalhos nunca, somente a força da mobilização popular consegue mover à esquerda o que é prioridade em Brasília. Aqui, gostaríamos de dialogar com os setores que afirmam que não é o momento de fazer greve, ou que tentam imprimir uma narrativa de que abrir tensão com o governo é fortalecer o bolsonarismo.
O fortalecimento dos instrumentos históricos de luta da nossa classe são incontornáveis neste momento para que um diálogo efetivo seja possível. A greve é uma ferramenta legítima e precisa ser construída tendo nítidos os seus objetivos e se extrapolando sempre para além dos setores já ativos no movimento, com vistas a uma real capilarização. Essa é uma aposta de politização da sociedade e de disputa de narrativa que nunca podem deixar de ser travadas por nós! Colocar toda a sociedade em luta é o caminho para destruir o neofascismo e superar também a asfixia imposta aos serviços públicos. Em momentos de maiores ebulições de luta, nossa tarefa é conseguir direcionar toda energia para traduzirmos a mobilização em vitória. Em momentos mais mornos, nossa tarefa é a mais elementar: a de produzir indignação e tornar possível a retomada de um quadro massificado de lutas.
Nesse sentido, es técniques-administratives em educação estão dando exemplo no Brasil todo, protagonizando uma importante luta por recomposição salarial e reestruturação de carreira, e pela retomada do investimento público na educação. Na UFRJ, es TAEs não estão dormentes nesse movimento, com a deflagração de greve antes do início do período letivo, dando uma resposta contundente à situação dramática que vivenciamos na nossa universidade.
Em que pese o ANDES-SN (Sindicato nacional de professorus universitáries) estar articulando suas bases, também, desde o início do ano para a construção de um movimento nacional de greve, na UFRJ parece que a direção da seção sindical atua em outro planeta. Vemos um comodismo rebaixado da direção da AdUFRJ, quase que numa espera inerte de respostas do governo, que até agora vieram insatisfatórias. É lamentável a atuação da seção sindical, que opera para tolir a discussão e o debate democrático entre a categoria docente, enfraquecendo a articulação na UFRJ mesmo que a situação de 2024 seja a de um profundo agravamento da situação da universidade.
No movimento estudantil, vemos importantes movimentações grevistas Brasil afora, seja na UESPI, na UFC ou na UFF, à revelia das movimentações travadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), cuja direção parece acompanhar um movimento contrário à greve. Na UFRJ, o grau de mobilização segue difuso, com es estudantes conseguindo produzir mobilizações interessantes em Caxias, no IFCS, na Praia Vermelha e no Fundão, muito protagonizada pela EBA e EEFD - tendo esta última literalmente perdido o prédio por conta de um desabamento na última semana, escancarando a gravidade da situação na universidade.
O DCE Mário Prata vem acompanhando as mobilizações, no entanto, ainda verificamos uma dificuldade da entidade de coesionar o movimento estudantil da universidade com o objetivo de radicalizar e capilarizar a luta. As demonstrações de disposição de construção de greve até agora nos espaços convocados pela entidade maior de representação estudantil da universidade são tímidas. Seus esforços até então estão voltados para a construção de um congresso estudantil - em que pese a legitimidade de um congresso, avaliamos que a conjuntura pede mais do que uma reedição do Congresso Estudantil de 2018. É necessário que a UFRJ acompanhe o ascenso de mobilizações grevistas em curso Brasil afora!
A responsabilidade para a direção do maior DCE do Brasil neste momento é gigantesca, e a entidade precisa ter capacidade de ir além de retratar em suas redes sociais a situação decadente da UFRJ e operar reuniões nos espaços burocráticos da universidade. É hora de mais que construir entidades para es estudantes, construir COM es estudantes, participando toda a comunidade acadêmica dessa histórica batalha pelo futuro da UFRJ.
Vemos dia após dia o retrato escancarado da precarização da estrutura da UFRJ, vemos o subfinanciamento empurrando pra fora es estudantes pobres, negres e PCDs que não conseguem se manter por falta de políticas de assistência. Nos últimos dias, prédio após prédio vêm apresentado diversos problemas causados por deterioração devido à falta de manutenção, frutos do subfinanciamento. E há quem diga que a saída não é a greve… Não queremos esperar um novo museu nacional ou que um prédio desabe por completo, queremos vislumbrar um futuro digno para UFRJ, porque esse futuro digno também é a possibilidade de gerações e gerações de jovens terem acesso a uma educação de ponta e, cada vez mais, termos uma produção de conhecimento direcionada a resolução dos problemas reais do nosso povo!
A situação é dramática e cabe a nossa geração salvar a UFRJ! Nesse sentido, diante de um imobilismo levado a cabo sobretudo pelo segmento docente, achamos fundamental a construção de fóruns alternativos de luta na universidade, pra envolver todes que estão na disposição de enfrentar de verdade essa situação caótica! Precisamos construir uma assembleia geral da UFRJ com todas as categorias, trabalhando para que a força da comunidade universitária prevaleça, em detrimento de todas as posições recuadas distoantes da gravidade da situação. Não vamos permitir que ela caia sobre as nossas cabeças, mas sim construir no presente um futuro em que todes es estudantes tenham condição de ingressar, permanecer e de fato redesenhar a educação pública no nosso país!
Rumo à greve geral da educação!