Texto de Matheus Maia, Militante do RUA RJ
Nos Jogos Olímpicos, existe uma bandeira neutra especial que representa um grupo de atletas específicos, que é, ao mesmo tempo, multinacional e sem nacionalidade definida, sendo formada por atletas refugiados e refugiadas no mundo inteiro.
O time de refugiados do Comitê Olímpico Internacional (COI) foi criado para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. O objetivo é assegurar participação de atletas em situação de refúgio após fuga de seus países por diversas razões - guerras, fome, crises sociais e perseguição política, no maior evento esportivo do planeta.
Os esportes que já contaram com membros do time de refugiados, e que ainda vão recebê-los, variam muito. O atletismo é o principal foco, mas também estão listados natação, judô, boxe, badminton, canoagem, ciclismo, tiro esportivo, canoagem, taekwondo, levantamento de peso, wrestling e breaking dance. Contando com Paris 2024, são 75 convocações ao todo, sendo a edição francesa a maior. Mas como competir por essa bandeira? O que é uma ou um refugiado? Onde treinam se não estão em seus países? Vem com a gente para saber mais!
Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), “refugiados são pessoas forçadas a fugir de seus próprios países e buscar segurança em outra nação. Eles estão impedidos de retornarem a seus países por medo de processos, como resultado de serem quem são, do que acreditam ou falam, ou por causa de conflito armado, violência ou séria desordem pública.”
Ainda, no mundo existem cerca de 43,4 milhões de pessoas em situação de refúgio, sendo 40% crianças. Os principais países de origem dos refugiados são a Síria, Sudão do Sul, Afeganistão, Palestina, República Democrática do Congo, Colômbia e Venezuela.
Diante da emergência global, o COI lançou a proposta de promover vagas para a comunidade refugiada ao redor do mundo. Isso é feito via convites, utilizando o princípio da universalidade, ferramenta de promoção de vagas a atletas de países (ou bandeiras) com pouca ou nenhuma participação em determinados esportes, ou nos Jogos em geral. Além disso, são oferecidas oportunidades para que esses atletas disputem torneios pré-olímpicos, permitindo a obtenção de vagas diretas.
O Comitê Internacional promove um suporte financeiro a essas e esses atletas, para que continuem treinando enquanto asilados em um novo país - Quênia, Alemanha, França e Países Baixos são os principais destinos dessas e desses atletas. Mas a questão principal das e dos atletas refugiados vai além da merecida participação nos Jogos Olímpicos: essa honra é para as e os sobreviventes.
Nesta análise, focaremos nos países onde as e os atletas classificados se originaram: Afeganistão, Camarões, Cuba, República Democrática do Congo, Eritreia, Etiópia, Irã, Síria, Sudão, Sudão do Sul e Venezuela:
O continente africano é imenso, com 54 países ocupando o vasto território e arquipélagos ao redor. As nações vivem realidades diferentes, conflitos armados, violência e criminalização de mulheres e pessoas LGBTIA+, que forçam as e os africanos a deixarem seus países em busca de sobrevivência.
Sudão e Sudão do Sul: As duas nações somam 15 atletas nas 3 edições olímpicas, a maior parte da porção sul da divisão. Até 2011, o Sudão era uma nação unificada, mas uma guerra civil atingiu o país e chegou ao ponto do sul se proclamar independente. Até hoje, a região vive constante disputa armada e força cada vez mais as pessoas fugirem da nação.
Para Paris 2024, três atletas se classificaram para o atletismo, Perina Lokure do Sudão do Sul, assentado no Quênia, Jamal Abdelmaji Eisa Mohammed, do Sudão, morador refugiado de Israel, e Musa Suliman do Sudão, que vive e treina na Suíça.
Dorian Keletela é um velocista congolês nascido em 1999, muito jovem perdeu seus pais na guerra civil do Congo e foi para a casa de sua tia, aos 17 anos se mudou para Portugal com a parente e precisou morar por alguns anos em campos de refugiados.
Quando se estabeleceu no país lusitano, conseguiu entrar no Sporting e treinar o esporte que escolheu com 15 anos, o atletismo. Corredor dos 100 metros, Dorian se destacou e já competiu nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, no Mundial e no Europeu Indoor.
Os dois eritreus classificados, Tachlowini Gabriyesos e Luna Solomon, fugiram da Eritreia por motivos parecidos. Tachlowini saiu do país muito jovem, com medo de ser forçado a servir o exército e tomar parte da crescente violência que assolava a nação em 2010. Hoje treina em Israel e prefere provas de longa distância e maratona.
A atiradora Luna Solomon saiu recentemente da Eritreia, apenas em 2015, mas também acusou a violência e a falta de liberdade como fatores. Na Suíça, encontrou o Tiro Esportivo. Ambos vão para a segunda olimpíada.
Duas atletas etíopes vão competir como refugiadas em Paris 2024, a ciclista Eyeru Tesfoam Gebru e a corredora Farida Abaroge. A ciclista Eyeru já competiu por seu país natal em Mundiais, e era esperada no torneio de 2021, na França.
No entanto, a Etiópia estava em uma guerra civil contra um grupo da região em que Tesfoam vivia, Tigray. A atleta perdeu familiares e amigos para o confronto, que era apoiado pela Eritreia, e viu na nação francesa uma chance de recomeço. Após um tempo, Eyeru conseguiu residência em Nice, França, e compete como refugiada desde então.
Não foi possível achar muitos detalhes sobre o motivo de fuga da Farida Abaroge, de acordo com o site do Comitê Internacional, a atleta precisou sair de seu país aos 23 anos e chegou a morar no Sudão e Egito, países próximos da Etiópia, antes de ir para a França e se tornar refugiada.
A boxeadora Cindy Ngamba, camaronesa de nascimento, saiu de seu país natal aos 11 anos e se mudou para Bolton, na Inglaterra, passou anos aprendendo uma nova língua, estudando e fazendo dessa cidade sua casa, após um tempo, descobriu o boxe.
A perda de documentos migratórios em 2019 pôs a vida de Ngamba em risco, a africana chegou a ser enviada para campos de deportação, mas a situação foi resolvida pelo seu irmão, a atleta precisava de asilo por causa de sua sexualidade, pois é ilegal ser LGBTIA+ em Camarões, e Cindy já havia se revelado. O status de refugiada foi aprovado em 2021.
Na Ásia, três países foram a origem das fugas, Irã, Afeganistão e Síria. Nesse caso, é o continente com o maior número de atletas, com 24 de 36.
No Afeganistão, a questão da guerra do talibã com os EUA causou a destruição da nação islâmica. Os anos de controle estadunidense foram longe de pacíficos, com focos de confronto contra o Talibã e Al-Qaeda, a ocupação das tropas forçava o êxodo de cidadãos para outras nações.
Entretanto, uma das maiores decisões políticas do séc.21, a retirada das forças militares dos EUA do território afegão, em 2020, devolveu o governo do Afeganistão ao grupo terrorista Talibã, que voltou a exercer as políticas extremistas sobre a população, principalmente sobre as mulheres.
Aplicação de leis islâmicas severas contra os direitos de mulheres, pessoas LGBTIA+, opositores e imposição de costumes com violentas repressões geraram a saída de um grande contingente de afegãos. O ciclista Amir Ansari e o lutador Farzad Mansouri se refugiam no Reino Unido, A B-girl Manizha Talash, mora na Espanha, o judoca Sibghatullah Arab, resumiu sua vida na Alemanha e a também judoca Nigara Shaheen se mudou para o Canadá.
O Irã é mais um caso de abuso religioso e político, a república persa foi transformada em uma ditadura após a revolução islâmica de 1979, também chamada de revolução iraniana. Os direitos de mulheres e pessoas LGBTIA+ são negados ao máximo, com penas de morte se tais leis forem descumpridas, buscando uma melhor condição de vida, muitos fogem do país para outros locais.
Apesar disso, o esporte iraniano é destaque mundial, em esportes olímpicos e nos que não estão no programa atualmente, a comunidade iraniana de refugiados é a maior delegação em direção a Paris 2024, com 14 atletas confirmados.
O principal destino é a Alemanha, o boxeador Omid Ahmadisafa, os canoístas Saeid Fazloula e Amir Rezanejad, a judoca Mahboubeh Barbari Zharfi, o lutador Kasra Mehdipournejad e a levantadora Yekta Jamali vivem no país.
Na Itália tem os lutadores Hadi Tiran e Iman Mahdavi, nos Países Baixos, o judoca Mohammad Rashnonezhad e a lutadora Dina Pouryounes. O nadador Matin Balsini e a atleta do badminton Dorsa Yavarivafa, moram no Reino Unido, fechando a lista tem a canoísta Saman Soltani, que vive na Áustria, e o lutador Jamal Valizadeh, que se instalou na França.
O território sírio está em constante tensão militar desde a eclosão da guerra civil em 2011, iniciada após repressões armadas contra atos pacíficos pedindo a queda do presidente Bashar al-Assad. A partir desse momento, revoltas, grupos rebeldes e guerras civis por toda a Síria destruíram o país, forçando o êxodo de grande parte da população.
Como de costume, a Alemanha é a residência de três dos quatro atletas sírios garantidos em Paris 2024 no time de refugiados, o saltador Mohammad Amin Alsalami, o judoca Adnan Khankan e o nadador Aala Maso. Morando nos Países Baixos, Muna Dahouk é judoca.
Nas Américas, dois grandes personagens geopolíticos são mencionados: Cuba e Venezuela. A história dos 3 atletas latino-americanos são parecidas:
O cubano Ramiro Mora Romero, do levantamento de peso, que mora no Reino Unido, aproveitou a viagem de seu circo pelo país e permaneceu. Já Fernando Jorge, da canoagem velocidade, residente dos EUA, desertou no México. Ambos afirmam ter fugido da ilha por medo de perseguição política.
Cuba sofre há muito tempo com embargos comerciais e políticos vindo dos EUA e seus aliados, internamente, não vive o seu primor e sofre com a debandada de sua população.
O venezuelano Francisco Edilio Centeno desertou do seu país por dificuldades de competição, falta de apoio e melhores condições de vida. Junto a sua irmã, fugiu para o México e conseguiu voltar a treinar com o suporte do COI para refugiados.
O atleta vive uma contradição, o Comitê Olímpico Venezuelano afirma não haver proibições de retorno e que Francisco não é um refugiado.
Os 36 atletas em situação de refúgio são apenas uma fração das e dos cidadãos refugiados no mundo, muitos ainda tentam sair de seus países em guerra e ir para locais com maior segurança e qualidade de vida, Todavia, muitos perecem no caminho, em barcos improvisados, balsas superlotadas, vítimas de mais violência ou são negadas suas entradas em outros territórios, correndo o risco de serem assassinados.
Conflitos causados por guerras religiosas e territoriais, genocídio étnico via limpeza populacional, fome e doenças - por vezes intencionalmente causadas -, xenofobia, racismo, machismo e perseguição de mulheres, políticas anti-LGBTIA+ com penas letais... É necessário derrubar o sistema capitalista, mas, além disso, prestar, defender e lutar por solidariedade entre os povos, as pessoas e as múltiplas identidades sociais.
O esporte olímpico e paralímpico de verão, inverno e juventude é uma forma de agregar várias nacionalidades, origens, culturas, religiões e idiomas em um só país. Inclusive, este ano, serão 2 países se contarmos com o surfe no Taiti. Entretanto, políticas bélicas, campos de concentração para refugiados e refugiadas, criminalização dos direitos de mulheres, crianças e pessoas LGBTIA+ não podem ficar lado a lado com o evento.
Palestina Livre
Curdistão Livre
Paz entre nós, guerra aos senhores
Comunhão dos povos para derrubar os poderosos