Cidade. Palavra que na sua origem latina remetia à liberdade e direitos. É no meio urbano que mais de 80% dos brasileiros se entendem como um sujeito de direitos - ou, talvez, onde aprendem a sobreviver com a ausência deles. No sistema capitalista, o arquiteto da cidade é o capital. No neoliberalismo, cidades são erguidas, expandidas, transformadas ou evacuadas por onde se transita o lucro - enquanto a juventude e o povo pobre sofre despejos, são alocados ou migram no ritmo cruel ditado por ele.
O Brasil carrega em sua estrutura urbana as marcas de uma história de mais de três séculos de colonização e escravização. Se a nossa divisão de terras ainda espelha as capitanias hereditárias, com latifúndios nas mãos de poucos e muitos trabalhadores da terra sem ter onde plantar, as cidades também obedecem às tendências históricas de desigualdade. O modelo de cidade do capital é pensado para absorver o lucro excedente em construções megalomaníacas, mansões e mega-empreendimentos, ao mesmo tempo em que mantém milhões de imóveis ociosos, sem cumprir nenhuma função social em nome da especulação - transbordando a desigualdade através das ruas, avenidas e placas de aluga-se, enquanto as populações de rua crescem nos grandes centros e as famílias espremem o orçamento pra conseguir pagar o aluguel.
A contradição é latente entre o modelo de “cidade negócio”, com arranha-céus e megaeventos das capitais sudestinas e a maioria das cidades do norte e nordeste das quais mal se tem acesso ao sistema de saneamento básico. E a desigualdade brutal, que faz com que em uma mesma cidade, um bairro tenha mais helipontos do que pontos de ônibus e no outro, tenha mais assassinatos de jovens negros do que em países em guerra. O desenho das cidades, portanto, repete a mesma lógica: centro expandido onde se concentra o acesso à cultura, à educação e à saúde, e periferias, muitas vezes desconsideradas pelo planejamento urbano e pelas políticas públicas
A lógica do consumo segue o mesmo percurso. Para dar conta do que consumimos hoje, o planeta Terra precisaria ser 70% maior. Se a conta parece não fechar para a maioria da população brasileira que não acessa o consumo básico, ela deve ser endereçada para os 1% que além de serem detentores das riquezas, consomem o planeta como bem entendem. Enquanto na paisagem da cidade o sintoma dessa lógica são os entulhos e lixões nas margens dos bairros e dos rios, no país ele aparece na forma de desmatamento e labaredas, que neste momento lambem a amazônia e o pantanal.
“Vamo derrubar o nome dessas ruas, dessas estátuas
Botar herói de verdade nessas praças” - BK
Não acreditamos que com reformas poderemos mudar a essência desigual, violenta e excludente do capital. Mas da mesma forma que o andar de cima molda uma cidade que explora e oprime, o povo resiste, se reinventa e disputa pelas margens uma cidade que atormenta o poder. E a transformação radical da cidade do capital, para a cidade das pessoas, germina no aquilombamento das ocupações urbanas, nas expressões culturais do nosso povo que imigra e emigra, constituindo novos territórios e novas formas de viver e sobreviver.
É nos momentos mais difíceis que erguemos a cabeça e nos levantamos. Seja para combater a fome em meio a pandemia nas ações de solidariedade feitas de nós para nós. Seja lutando nas ruas das cidades ao redor do mundo, como no occupy wall street, quando expomos o fato de que somos os 99% contra o 1% detentor das riquezas, seja nas ruas de junho de 2013 para questionar o aumento no transporte e as remoções que se transformaram em cicatrizes dos mega-eventos. Seja nas greves pelo clima e nas resistências dos povos originários, por nenhuma a menos, no tsunami da educação. Seja nos levantes anti racistas, que ainda pulsam derrubando estátuas-símbolo da colonização e escravidão ao redor do mundo e organizam os jovens que saem às ruas porque não aceitam mais serem mortos em suas casas.
No momento em que os olhos da população se voltam para os seus municípios, nós propomos um ponto de vista diferente: queremos construir uma cidade que mantenha vivo os sonhos que se forjam nas ruas, nas esquinas, becos e vielas. Os nossos sonhos.
Para isso, é preciso inverter a lógica da cidade-capital e disputar uma cidade pensada por e para aqueles que a produzem e sentem na pele dia a dia suas contradições. Por quem conhece o endereço encontrado pelas balas perdidas e que resiste nas rodas de rima, bailes e grafites. Por aqueles e aquelas que conhecem o perrengue da falta de vagas nas escolas e hospitais. Pelas famílias que sentem no bolso o preço do arroz, do aluguel, do transporte e trabalham dobrado pra conta fechar no fim do mês. Pela negritude, pelos povos originários, mulheres, LGBTs, periferias. Pelos debaixo, por nós.
Nós, do Movimento RUA Juventude Anticapitalista, apresentamos 10 ideias que consideramos imprescindíveis para incidir nessa disputa. Construídas por jovens que se organizam em cada canto do país e que acreditam que a RUA deve ser a parte principal da cidade.
10 IDEIAS ANTICAPITALISTAS PARA A CIDADE
1. Pelo direito à vida - Interromper o genocídio contra a juventude negra e indígena, a partir do fim da criminalização racista e da desmilitarização. No lugar da repressão às rodas de rima, slam, bailes funk e brega, incentivo, como políticas para a primeira produção e reconhecimento das ocupações culturais.
2. Droga não é questão de polícia, é questão de saúde! Superar a guerra às drogas com a legalização e construção de políticas no campo da saúde e assistência social, pensar na relação com os municípios a política de redução de danos. Contra toda forma de encarceramento e criminalização.
3. Não seremos o lucro deles - Políticas de inserção no mercado de trabalho e combate ao desemprego na juventude; criação de emprego a partir das novas demandas sociais pós-pandemia, mapeadas a partir dos bairros. Tecnologia à favor do povo e não de bilionários estrangeiros: criação de cooperativas públicas de app;
4. Nossas ruas, nossas esquinas - Reapropriação do espaço público e fim da lógica privatista das praças; Tarifa zero para transitar; Periferia no centro dos repasses e incentivos; Fim da lógica de vigilância e controle de dados - internet para todos;
5. Educação para disputar o futuro - Escola como espaço de conexão do bairro, com cultura, esporte e lazer; Integração da universidade e da produção de ciência e tecnologia com a cidade a partir das demandas do povo; Políticas educacionais antirracistas, feministas, com inclusão LGBTQIA+ e com acessibilidade;
6. Nada sobre nós sem nós - Juventude periférica no centro do poder e da formulação das políticas públicas! Conselhos de juventude deliberativos e descentralizados e garantia do direito à livre organização estudantil nas escolas e universidades.
7. Ecossocialismo ou extinção - Soberania alimentar a partir do consumo e fornecimento de áreas de reforma agrária; Saneamento básico, coleta seletiva e reciclagem para todos, incentivo às energias renováveis e água limpa para todos;
8. O capitalismo adoece - Políticas públicas de atenção à saúde mental, com investimento na Rede de Atenção Psicossocial e impulsionamento de campanhas voltadas para a juventude que aborde questões como combate ao suicídio e atenção à fatores de proteção e prejuízo à saúde mental - como combate e prevenção ao suicídio;
9. Moradia digna é direito básico - Recuperar a função social dos imóveis, garantindo às 6 milhões de casas desocupadas para as 6,9 milhões de famílias sem teto; Planejamento urbano e expansão mediante às necessidades sociais e não aos desmandos do lucro;
10. Avanço econômico em defesa da vida - economia se recupera com a vida, reforma tributária justa e solidária, renda mínima cidadã e fomento de redes de economia solidária a partir de pequenos empreendimentos;
Assinaturas do manifesto:
Guilherme Boulos e Luiza Erundina - Candidatos a Prefeitura em São Paulo
Renato Roseno e Raquel Lima - Candidatos a prefeitura em Fortaleza;
Renata Souza e Ibis - Candidatos a Prefeitura Rio de Janeiro;
Flávio Serafini e Josiane Peçanha - Candidato a prefeitura de Niterói;
Breno Rainan - Candidato a prefeito em Juazeiro;
Chico Cancela e Neilton Cruz - Candidatos a prefeitura em Porto Seguro
Professora Kátia - Candidata a prefeita em Morada Nova;
João Rameres Regis - Candidato a prefeito em Limoeiro;
Demontieux Fernandes - Candidato a prefeito em Juazeiro do Norte;
Zuleide Queiroz - Candidata a prefeita no Crato;
Paulo Giovani - Candidato a prefeito em Crateús;
Edson Veriato - Candidato a prefeito em Potengi;
José Márcio - Candidato a prefeito em Iguatu;
Saulo Azevedo - Candidato a prefeito em Itaperuna;
Ivanete Silva - Candidata a prefeitura em Duque de Caxias;
Juliana Carvalho - Candidata a prefeita em Volta Redonda;
Lucineide Barros - Candidata a prefeitura em Teresina
Agnes Viana - Candidata a vereadora em Campo Grande
Simone Nascimento - Candidata a vereadora em São Paulo
Élice Botelho e Pérola da “Bancada de Quebrada” - Candidatas a vereadoras em Campinas;
Maria Antonia da bancada “Marias” - Candidata a vereadoras em Teresina;
Ingrid - Candidata a vereadora em São José dos Campos;
Wesley Teixeira - Candidato a vereador em Duque de Caxias;
Saulo Benicio - Candidato a vereador em Nilópolis;
Jota Marques - Candidato a vereador no Rio de Janeiro
Paulinho Silva - Candidato a vereador em Londrina
Wedson Maciano - Candidato a vereador em Morada Nova;
Rayane Ferreira - Candidata a vereadora em Quixadá.
Franklin Schmalz - Candidato a vereador em Dourados;
Drica Serafim - Candidata a vereadora em Santo André;
Gelson Almeida - Candidato a vereador em Duque de Caxias;
Paulo - Candidato a vereador em Itaperuna;
Regina Bernstein - Candidata a vereadora em Niterói;
Benny Briolli - Candidata a vereadora em Niterói;
Coletiva Feminista de Petrópolis - Candidata a vereadora em Petrópolis;
Lia Ludolff - Candidata a vereadora em Volta Redonda;
Tarcísio Motta - Candidato a vereador no Rio de Janeiro;
Luciana Boiteux - Candidata a vereadora no Rio de Janeiro; ;
Maria dos Camelôs - Candidata a vereadora no Rio de Janeiro;
Mônica Cunha - Candidata a vereadora no Rio de Janeiro;
Professor Túlio - Candidato a vereador Niterói;
Carol Leite- Candidata a vereadora Niterói.