São Paulo, setembro de 2023.
Não tenho o sol escondido
no meu bolso de palavras.
Sou simplesmente um homem
para quem já a primeira
e desolada pessoa
do singular – foi deixando,
devagar, sofridamente
de ser, para transformar-se
— muito mais sofridamente —
na primeira e profunda pessoa
do plural.
Não importa que doa: é tempo
de avançar de mão dada
com quem vai no mesmo rumo,
mesmo que longe ainda esteja
de aprender a conjugar
o verbo amar.
É tempo sobretudo
de deixar de ser apenas
a solitária vanguarda
de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro.
(Dura no peito, arde a límpida
verdade dos nossos erros)
Se trata de abrir o rumo.
Os que virão, serão povo,
e saber serão, lutando.”
(Fragmento do poema “Para os que virão”, de Thiago de Mello)
Entre os dias 21 e 25 de agosto de 2023, passamos por um importante processo de mobilização no Instituto de Artes da UNESP, com paralisação e trancaço do prédio em apoio a greve dos servidores técnico-administrativos. Acreditamos que todes nós aprendemos muito com esse processo e, por isso, é importante sistematizarmos nossos acúmulos coletivos para qualificarmos nossas intervenções no movimento.
A luta pela garantia de condições dignas de trabalho para os servidores técnico-administrativos da UNESP é histórica: não se iniciou agora e também não se encerra nesta greve. Para além da discrepância salarial entre os servidores técnico-administrativos da UNESP com os das demais universidades estaduais paulistas, a falta de contratações é sintomática na universidade, acarretando na sobrecarga de servidores técnico-administrativos, bem como na precarização dos serviços realizados. Sabemos que a luta pela equiparação salarial, principal reivindicação do movimento atualmente, e por mais contratações, vai na contramão de interesses poderosos ligados à Reitoria e ao governo do estado, em especial em um contexto em que se redebate o financiamento das universidades estaduais paulistas. Nesse sentido, compreendemos que a atual mobilização dos servidores colocou em outro patamar a luta e a visibilização das demandas desta categoria, bem como evidenciou o projeto de desmonte da universidade pública aplicado pelo governo do estado. Além disso, consideramos que a conquista dos 10% de aumento salarial, embora insuficiente, é uma importante vitória arrancada pela luta dos servidores em conjunto com as demais categorias da universidade.
No entanto, se por um lado consideramos importantíssimas as conquistas alcançadas por meio da greve de servidores, por outro, não conseguimos, enquanto movimento estudantil, avançar na construção de eixos conjuntos de mobilização que incorporassem as demandas estudantis em torno de um mesmo projeto de universidade pública, gratuita e de qualidade. Como consequência, para alguns estudantes ficou a impressão de que a paralisação e o trancaço do prédio do IA foram estabelecidos de cima para baixo. Acreditamos que, enquanto parte do conjunto do movimento estudantil, deveria haver um esforço coletivo de uma construção mais ampla da pauta, com a incorporação das demandas historicamente levantadas pelo movimento estudantil do IA, e de um calendário de mobilização que incorporasse o conjunto des estudantes. Assim, seria possível integrar as demandas de ambas as categorias em torno de um projeto comum.
Levantados esses elementos de balanço, gostaríamos de apontar alguns desafios para o movimento estudantil na UNESP de modo geral e para o IA em particular. Em primeiro lugar, na nossa opinião, é necessário fazermos um debate fraterno sobre o método. Não fazemos apenas a defesa da “greve pela greve”, mas sim a defesa da greve enquanto um dos métodos de mobilização do movimento estudantil, que deve ser usada como parte de um processo para arrancar vitórias globais de transformação da universidade e da sociedade em suas diversas esferas. Quando uma mobilização estudantil é construída sem o enraizamento necessário para tal, não contribui para o avanço da organização coletiva a partir da experiência política de estudantes na construção da luta. Pelo contrário, contribui mais para o distanciamento de estudantes em relação ao movimento estudantil do que para uma aproximação.
Nesse sentido, acreditamos que uma das principais tarefas do movimento estudantil no próximo período é a sua reorganização - uma vez que ainda sofre as sequelas do esvaziamento provocado pelo período da pandemia - e a sua reinvenção, formulando e adotando novas ferramentas e uma outra cultura política, que dialogue com o perfil da juventude que cada vez mais ocupa a universidade: uma juventude que estuda e trabalha em condições precarizadas, uma juventude mais enegrecida, periférica e LGBTQIA+. Acreditamos ser necessário compreender quem é o corpo estudantil hoje na UNESP para construir novas ferramentas que contribuam para a massificação do movimento estudantil e que não deixem ninguém para trás. Ferramentas como greves, ocupações e trancaços seguem sim sendo muito importantes para o movimento estudantil, mas desde que construídas em conjunto com a ampla maioria de estudantes e que não reproduzam a lógica das opressões.
Por fim, compreendemos que a massificação e o consequente fortalecimento do movimento estudantil se faz também com programa. Por isso, gostaríamos de fazer um amplo convite a todas as forças e entidades do movimento estudantil do IA para a construção de um programa de unidade, que incorpore todas as demandas necessárias para o fortalecimento de um projeto de universidade pública, gratuita, democrática, emancipatória e socialmente referenciada. Acreditamos que os métodos auto-proclamatórios e de disputa fratricida entre as forças que constroem o movimento estudantil nada contribuem para o avanço desse projeto. Pelo contrário, diante de um governo estadual bolsonarista, abertamente a favor da privatização e da militarização da educação, é necessário atuarmos em frente única para varrer o fascismo para a lata de lixo da história e lutarmos pela universidade que sempre sonhamos. Apresentamos, humildemente, alguns dos pontos que consideramos essenciais para o avanço desse projeto.
Defender a Universidade Pública
Na UNESP, vivemos um cenário crítico, de aprofundamento da política de arrocho salarial, da falta de contratação de docentes e de corpo técnico-administrativo para a Universidade e da deficiência estrutural de políticas de permanência. Esta situação se evidencia de modo ainda mais dramático no IA, onde o curso de LAT corre o risco de ser fechado pela escassez de professores, a moradia estudantil é totalmente precária e até hoje não foi construído um RU no nosso campus.
Há anos o problema da falta de contratação de professores afeta a qualidade de ensino e a permanência de estudantes em todos os cursos do IA. Para tentar “tapar o buraco”, a UNESP contrata professores temporários, com contratos precarizados de trabalho, com salários muito inferiores ao ideal para o sustento desses profissionais. Defendemos a abertura de concursos para contratação efetiva de docentes, com garantia de todos os seus direitos. Ademais, para garantir uma verdadeira transformação racial na universidade e avançar na descolonização do conhecimento, é necessária a implementação de uma política de cotas etnico-raciais em todos os concursos da UNESP e também na pós-graduação.
Defendemos uma UNESP e um IA radicalmente democráticos e antirracistas, em que a produção de conhecimento esteja a serviço do povo e que priorize as políticas de permanência para garantir o direito à graduação de estudantes pretos, pobres, periféricos e LGBTQIA+. Queremos a ampliação de vagas e de políticas de acesso para garantir uma verdadeira democratização da universidade. Queremos todos os corpos e saberes presentes na UNESP. Por isso, defendemos a adoção de cotas trans e do vestibular indigena.
A democratização da Universidade só acontece com a garantia de políticas de permanência estruturais para todes es estudantes. Defendemos a construção de uma moradia estudantil no IA com infraestrutura necessária para atender a demanda, bem como a construção de um RU no campus. Queremos mais transparência nas informações sobre o estágio de regularização do terreno e sobre a quantidade de estudantes que precisam de moradia. Além disso, defendemos que as reuniões dos órgãos colegiados do IA sejam abertas a todes es estudantes. Isso é fundamental para fortalecer a democracia na Universidade e possibilitar a maior participação des estudantes nas decisões sobre os rumos do IA.
A produção de conhecimento nas universidades públicas deve estar a serviço de um projeto de país que sirva aos interesses do povo. Para isso, as universidades precisam superar a herança elitista e colonial e fortalecer a ciência que contribua para a superação das desigualdades sociais, o racismo, o capacitismo e as hierarquias de gênero. Defendemos uma reforma curricular nos cursos do IA que atue no sentido da descolonização do pensamento.
Por fim, para conquistar todos esses objetivos, será necessário ampliar a participação estudantil e a articulação política do movimento dentro e fora da universidade, com base na elaboração coletiva. Além da necessidade de avançarmos na criação de um DCE, defendemos a realização de um conselho de entidades estudantis do IA, reunindo todos os CAs e o DA, para fortalecer a articulação do ME do nosso campus. Acreditamos ser um passo necessário para a criação de espaços mais porosos de movimento estudantil e para a sua tão necessária reorganização e massificação.